Surpresa: o FMI critica a agenda neo-liberal!

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 30/05/2016)

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A vida há-de sempre surpreender-nos e é por isso que é tão interessante. Agora, três altos quadros do FMI escreveram um artigo onde constatam que as receitas neoliberais aumentaram o risco de crises financeiras e a desigualdade, prejudicando o crescimento económico. A vida é mesmo muito engraçada.

O artigo (*) saiu na edição de junho de uma revista trimestral do FMI e, em suma, os seus autores sustentam que dois dos maiores “amores” dos neoliberais – a liberalização dos movimentos de capitais e a consolidação orçamental – em vez de promoverem crescimento, aumentaram a probabilidade de crises financeiras, fizeram disparar a desigualdade e prejudicaram significativamente o nível e a duração do crescimento económico.

São quatro as conclusões dos autores, resumidas num artigo de Jorge Nascimento Rodrigues, disponível no Expresso Diário:

Primeira: os benefícios em termos de crescimento económico são bastante difíceis de encontrar quando se analisa um grupo alargado de países e não um ou outro caso de estudo.

Segunda: os custos em termos de aumento da volatilidade e da frequência de crises financeiras – ou só bancária, ou só cambial, ou “gémeas”, de coincidência dos dois tipos – são evidentes; as probabilidades aumentaram significativamente.

Terceira: os custos em termos de desigualdade são proeminentes, particularmente ao fim de cinco anos.

Quarta: essa desigualdade prejudicou o nível e a sustentabilidade do crescimento, havendo, agora, muita evidência desse ciclo negativo. Os autores dizem que “os decisores, e as instituições como o FMI que os aconselham, devem guiar-se não pela fé, mas pela evidência do que funcionou”. E a evidência empírica revela o que manifestamente não funcionou.

Mais: os autores mostram que o FMI tem vindo a mudar em matérias tão relevantes como o controlo dos movimentos de capitais (o Fundo admite agora que podem ser adequados para fazer face à volatilidade dos fluxos de capital) e em matéria de dívida pública, onde o Fundo confirma a sua muito maior flexibilidade em relação a este tema do que o Eurogrupo, a Comissão Europeia e Berlim. Os três economistas sustentam que os governos “farão melhor em viver com a dívida [pública]”, em vez de prosseguirem processos de consolidação para obterem deliberadamente excedentes orçamentais para a redução dessa dívida, em vez do rácio da dívida em relação ao PIB (um dos critérios tradicionais usados) diminuir “organicamente” através do crescimento económico (ou seja, do aumento do denominador, do PIB).

O dedo acusador, como é óbvio, vai direitinho para a Alemanha, pois só ela, no quadro da União Europeia, está em condições de dinamizar a economia do Velho Continente, já que, como é reconhecido no documento, “muito países (como os da Europa do Sul) não têm grande escolha se não empenharem-se em consolidações orçamentais, porque os mercados não lhes permitirão continuar a pedir emprestado”.

Mas não vá serem mal percebidos, acrescentam: “Mas a necessidade de consolidação em alguns países não significa todos os países”. Mais: “Será defensável para países como a Alemanha, o Reino Unido e os Estados Unidos liquidarem a sua dívida?”.

Os autores terminam com uma crítica à teoria da austeridade expansionista do economista Alberto Alessina, que a Comissão Europeia e Vítor Gaspar abraçaram com entusiasmo, e que é um hino para quem sempre criticou esta aleivosia económica: “Em média, a consolidação [orçamental] de 1% do PIB aumenta o desemprego de longa duração em 0,6 pontos percentuais e faz crescer o coeficiente de Gini (de medição da desigualdade) em 1,5% num horizonte de cinco anos”, afirmam.

O FMI reconheceu desde outubro de 2012 diversos erros importantes na estratégia aplicada aos resgates na zona euro, envolvendo Portugal, Irlanda e Grécia, nomeadamente sobre o impacto das medidas recessivas (o multiplicador apontava para um terço desses efeitos) e sobre algumas das reformas estruturais, que aprofundaram as recessões.

Assim, concluem os autores, nos países onde uma consolidação orçamental se revele indispensável, “os decisores devem estar mais abertos a [medidas de] redistribuição, mais do que estão” e mesmo a desenhar tais processos “mitigando antecipadamente alguns dos seus impactos [negativos]”, dizem os três autores.

(*) O artigo foi publicado na edição de junho da “Finance & Development” (volume 53, nº2, 2016), uma revista trimestral do Fundo. A edição de junho já está disponível online. Jonathan D. Ostry, diretor-adjunto do Departamento de Investigação do FMI, Davide Furceri e Prakash Loungani intitularam o artigo divulgado na passada sexta-feira como “Neoliberalism: Oversold?” e basearam as suas conclusões num estudo empírico a partir de 165 episódios entre 1980 e 2014 num caso e 224 episódios entre 1970 e 2010, abrangendo 53 economias emergentes quanto ao aumento da probabilidade de crises financeiras e em 149 países quanto ao aumento da desigualdade (coeficiente de Gini). A expressão “agenda neoliberal” é usada pelos três autores.

3 pensamentos sobre “Surpresa: o FMI critica a agenda neo-liberal!

  1. Meu caro Nicolau, já Marx ensinava que é a prática que determina a consciência…
    Acontece que para a direita tipo “paf”, ou pafista, estas “coisas” não funcionam assim, e é ver os papagaios (uns pagos, ainda que mal, outros que se vendem por um mísero prato de lentilhas) que por aqui e por aí escrevem prosas e pretensas teses que mais não são do que masturbações intelectualoides que servem que nem jinjas ao grande capital…
    Que o Deus deles lhes perdoe, enquanto o mexilhão se vê cada vez mais lixado com um F bem grande.
    Obrigado mais um vez pela diferença em relação a essa escumalha intoxicadora, e que nunca a voz/pena te doa para nos ires acalentado e, desse modo, poderes ir ajudando a por eles designada geringonça a levar o barco a porto mais seguro.
    Um abraço.

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