Como travar a coragem

(Daniel Oliveira, in Expresso, 21/05/2016)

Autor

Daniel Oliveira

Antes de chegar a governador, Eliot Spitzer foi procurador-geral de Nova Iorque. Implacável com os crimes de colarinho branco, processou farmacêuticas e indústrias poluidoras e investigou sem medo os maiores tubarões de Wall Street. Tendo em conta o seu pouco poder, conseguiu vitórias extraordinárias e inimigos poderosos. Spitzer tinha, claro, as suas fraquezas. Imaginar que conseguimos, para ocupar cargos públicos, pessoas competentes, inteligentes, corajosas e sem falhas no passado é procurar santos. A descoberta de que Spitzer tinha contratado prostitutas de luxo acabou por aniquilar o único homem que enfrentou e venceu gente tão poderosa como o CEO da AIG, Maurice Greenberg, ou o antigo diretor-geral da Bolsa de Nova Iorque, Richard Grasso. Spitzer, que com a sua determinação poderia ter evitado parte da crise financeira, era um alvo a abater. E o momento tinha chegado. A justiça, relapsa com os crimes financeiros, concentrou meios extraordinários para investigar um crime insignificante. E a imprensa tabloide fritou o homem durante meses, chafurdando em todos os pormenores da sua vida privada. A ingenuidade moralista de cidadãos despolitizados fez o resto. Já não era Spitzer que estava em jogo. Era um aviso para quem lhe quisesse seguir os passos: há negócios que um político não perturba.

Tiago Brandão Rodrigues não é Eliot Spitzer, os colégios não são Wall Street e a “Sábado” não é a Fox News. Tudo está ao nível da nossa pequenez. Os negócios que ele perturbou, no caso dos contratos de associação, não têm, sequer, grande relevância financeira. Mas tem relevância o principio geral que foi posto em causa: que as funções fundamentais do Estado devem ser transferidas para empresas privadas ou, na melhor das hipóteses, para igrejas. E que os nossos impostos devem servir para financiar um mercado privado de serviços públicos. O facto de o Presidente e de a Igreja se terem envolvido numa medida de gestão decente dos dinheiros do Estado que afeta umas poucas dezenas de escolas demonstra que a coisa é séria. Hoje acaba-se com esta mesada, amanhã teremos governos a quererem saber como andam a ser gastos os recursos da Segurança Social.

Felizmente, a arte da intoxicação é, por cá, um pouco tosca. A notícia de que Brandão Rodrigues teria usado indevidamente dinheiros de uma bolsa ainda não tinha sido publicada e já estava desmentida por todas as pessoas que a “Sábado” deveria ter ouvido e por todas as provas documentais que deveria ter recolhido. Mas se houvesse uma falha no comportamento do ministro, por pequena e desculpável que fosse, teria caído e com ele cairia a defesa da escola pública e do dinheiro dos contribuintes. Não estou, como é evidente, a defender a inimputabilidade de políticos que se revelem corajosos. Nem que os jornalistas suspendam a sua função quando alguém defende o interesse público. Estou a dizer que somos demasiado benevolentes com o mau jornalismo. Porque ele, como se viu no caso Banif/TVI, é perigoso.

Da mesma forma que a severidade com os erros dos políticos não é um ataque à democracia, a severidade com os erros da comunicação social não é uma ataque à liberdade de imprensa. Sobretudo quando se torna evidente a instrumentalização do jornalismo para travar quem, em nome do interesse público, estraga bons negócios.

3 pensamentos sobre “Como travar a coragem

  1. Num País de gente educada e formada, e que acima de tudo preze a seriedade, a maioria dos orgãos de informação que infestam o panorama editorial em Portugal já teriam ido à falência por falta de leitores. Que vivemos num malfadado País, cheio de gente que adora as PPPs (nunca percebi o ódio a Socrates) é Fado, agora que tenhamos uma classe, dita de jornalistas, que parecem saídos direitinhos das “jotinhas”, sejam elas quais forem, É MALDIÇÃO.

  2. E de bom jornalista esconder(mentira não esconde nada, omite) e que o sr encarregado das negociações com os sindicatos da educação , com muito boa escola cá custou muitos milhares de € ao estado para fazer o doutoramento em Harvard. É de homem!!!

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