A nova era do monopólio

(Joseph E. Stiglitz, in Expresso, 21/05/2016)

Autor

Joseph Stiglitz

 

Concorrência é algo que os mercados muitas vezes não têm. Isso tem consequências, desde logo na desigualdade


NOVA IORQUE — Em 200 anos, tem havido duas escolas de pensamento sobre o que determina a distribuição de rendimentos — e como funciona a economia. Uma delas, que emana de Adam Smith e dos economistas liberais do século XIX, concentra-se nos mercados competitivos. A outra, ciente de como a marca do liberalismo de Smith leva a uma rápida concentração de riqueza e de rendimentos, tem como ponto de partida os mercados livres com tendência para o monopólio. É importante compreender as duas, porque os nossos pontos de vista sobre as políticas governamentais e as desigualdades existentes, são moldadas pela escola de pensamento em que se acredita que melhor descreve a realidade.

Para os liberais do século XIX e os seus acólitos dos últimos dias, porque os mercados são concorrenciais, os retornos dos indivíduos estão relacionados com as suas contribuições sociais — o seu “produto marginal”, na linguagem dos economistas. Os capitalistas são recompensados por pouparem e não por consumirem — pela sua abstinência, nas palavras de Nassau Senior, um dos meus predecessores na cadeira Drummond de Economia Política, em Oxford. As diferenças de rendimentos foram então relacionadas com as suas propriedade de “ativos” — capital humano e financeiro. Estudiosos da desigualdade centram-se, portanto, nas determinantes da distribuição de ativos, incluindo a forma como são passados através das gerações.

A segunda escola de pensamento toma como ponto de partida o “poder”, incluindo a capacidade de exercer controlo monopolista ou, nos mercados de trabalho, de afirmar a sua autoridade sobre os trabalhadores. Estudiosos nesta área têm-se centrado sobre o que dá origem ao poder, como ele é mantido e fortalecido, e outras características que possam impedir que os mercados sejam competitivos. Trabalhar na exploração decorrente de assimetrias de informação é um exemplo importante.

No Ocidente, na era pós-segunda guerra mundial, a escola de pensamento liberal dominava. Contudo, como a desigualdade aumentou e as preocupações em relação a ela cresceram, a escola concorrencial, visualizando retornos individuais em termos de produto marginal, tornou-se cada vez mais incapaz de explicar como funciona a economia. Por isso, hoje, a segunda escola de pensamento está em ascensão.

Afinal de contas, os grandes bónus pagos aos presidentes executivos dos bancos, à medida que levavam as suas empresas à ruína e a economia à beira de um colapso, são difíceis de conciliar com a crença de que o pagamento dos indivíduos não tem nada a ver com as suas contribuições sociais. Claro que, historicamente, a opressão dos grandes grupos — escravos, mulheres e minorias de vários tipos — são instâncias óbvias onde as desigualdades são o resultado de relações de poder e não de rendimento marginal.

Na economia atual, muitos setores – telecomunicações, TV cabo, secções digitais que vão desde os meios de comunicação social até à pesquisa na Internet, seguros de saúde, farmacêuticas, agroempresas e muitas mais – não podem ser compreendidos através das lentes da concorrência. Nestes sectores, a concorrência que existe é oligopolista, não a concorrência “pura” retratada em livros didáticos. Alguns setores podem ser definidos como price taking; as empresas são tão pequenas que não têm efeito sobre o preço de mercado. A agricultura é o exemplo mais claro, mas a intervenção do governo no sector é enorme e os preços não são fixados principalmente pelas forças de mercado.

O Conselho dos assessores económicos (CEA) do presidente dos EUA, Barack Obama, liderado por Jason Furman, tentou registar o aumento na concentração de mercado e algumas das suas implicações. Na maioria das indústrias, de acordo com o CEA, medidas simples mostram grandes — e em alguns casos, dramáticos — aumentos na concentração de mercado. As participações no mercado de depósitos dos dez maiores bancos, por exemplo, passaram de cerca de 20% para 50% em apenas 30 anos, de 1980 a 2010.

Na maioria das indústrias dos EUA, há grandes — e, em alguns casos, dramáticos — aumentos na concentração de mercado

Alguns dos aumentos no poder de mercado são o resultado de mudanças na tecnologia e estruturas económicas: consideremos as economias de rede e o crescimento de indústrias do sector de serviços fornecidos localmente. Alguns porque as empresas — a Microsoft e as empresas farmacêuticas são bons exemplos — aprenderam melhor como erigir e manter as barreiras de entrada, muitas vezes assistidas por forças políticas conservadoras que justificam a aplicação de políticas antimonopólio frouxas e o fracasso em limitar o poder de mercado, alegando que os mercados são “naturalmente” competitivos. E alguns deles refletem o puro abuso e alavancagem do poder de mercado através do processo político: os grandes bancos, por exemplo, pressionaram o Congresso para alterar ou revogar a legislação que separa os bancos comerciais de outras áreas de finanças.

As consequências são evidentes nos dados, com desigualdade crescente em todos os níveis, não apenas entre os indivíduos, mas também entre as empresas. O relatório do CEA observou que “as empresas que estão no percentil 90 veem retornos sobre os investimentos no capital que são cinco vezes superiores à média. Esta proporção aproximava-se mais do dois apenas há um quarto de século”.

Joseph Schumpeter, um dos grandes economistas do século XX, argumentou que ninguém deveria preocupar-se com o poder de monopólio: os monopólios só seriam temporários. Haveria uma concorrência feroz para o mercado e esta substituiria a concorrência no mercado e garantiria que os preços se manteriam competitivos.

O meu trabalho teórico mostrou, há muito tempo, as falhas na análise de Schumpeter e agora os resultados empíricos fornecem uma forte confirmação. Os mercados de hoje são caracterizados pela persistência dos lucros elevados do monopólio.

As implicações disto são profundas.

Muitos dos pressupostos sobre as economias de mercado baseiam-se na aceitação do modelo competitivo, com retornos marginais proporcionais às contribuições sociais. Esta visão levou à hesitação sobre a intervenção oficial: se os mercados forem, fundamentalmente, eficientes e justos, não há muito que os esforços do melhor dos governos possa fazer para melhorar as coisas. Mas se os mercados forem baseados na exploração, a justificativa para o laissez-faire desaparece. Com efeito, nesse caso, a batalha contra o poder entrincheirado não é apenas uma batalha pela democracia; é também uma luta pela eficiência e pela prosperidade partilhada.

(Prémio Nobel da Economia, professor universitário na Universidade de Columbia. © Project Syndicate 1995–2014)

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