Um duelo de traquitanas

(Pedro Adão e Silva, in Expresso, 07/05/2016)

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                  Pedro Adão e Silva

A geringonça não aconteceu por acaso nem foi fruto de idiossincrasias dos líderes e o mesmo é válido em relação à recomposição da direita, sob a forma de caranguejola

De um lado, uma geringonça, de outro, uma caranguejola. Duas metáforas que sugerem que, à esquerda e à direita, estamos perante entendimentos políticos frágeis. Não foi por acaso que as expressões se popularizaram — são exatas. Mas talvez seja um equívoco assumir que, sendo os equilíbrios frágeis, são de curta duração. A geringonça e a caranguejola, duas traquitanas que se podem desconjuntar a qualquer momento, estão aí para durar.

A formação da geringonça não aconteceu por acaso nem foi fruto de idiossincrasias dos líderes e o mesmo é válido em relação à recomposição da direita, sob a forma de caranguejola. Há alterações estruturais que explicam o contexto político que vivemos e as lideranças atuais têm o perfil adequado aos novos tempos. É verdade para António Costa e para Passos Coelho.

Apesar disso, não passa um dia sem que se escutem lamentos pelo fim dos compromissos moderados e alguma nostalgia por um tempo em que PSD e PS eram partidos ancorados ao centro. Estes lamentos tendem a responsabilizar a má vontade das lideranças pelo fim de uma cultura de compromisso (aliás, ela própria mitificada). Nada de mais errado. Os partidos limitam-se a refletir a recomposição eleitoral da sociedade portuguesa.

Ora, o centro político está em lenta erosão. E se pensarmos no processo de implosão que ocorre um pouco por toda a Europa, por cá o cenário até não é dos mais radicais. A combinação de crise económica e social e o agudizar do combate cultural levaram a que, à direita, a democracia cristã se tenha transformado em direita neoliberal, enquanto o eleitorado, para se manter fiel à social-democracia, se deslocou para a esquerda (em importante medida porque os partidos socialistas alinharam com a ortodoxia neoliberal).

O que é singular no caso português é que, apesar de tudo, os socialistas vão resistindo eleitoralmente e a esquerda radical moderou a sua agenda. Provavelmente por razões táticas: a perceção de que os custos eleitorais de um não-entendimento eram insustentáveis e, depois, algum entrincheiramento, que valoriza (re)conquistas sociais e a reversão de medidas do Governo anterior. Talvez assim se perceba melhor como uma geringonça pode ser instável e duradoura.

É esta durabilidade da geringonça que cria dificuldades a uma caranguejola, com um processo de gestação longo e bem anterior a Passos Coelho. Desde a liderança de Durão Barroso que se assiste a uma recomposição política da direita portuguesa, que, tal como as suas congéneres europeias, se foi afastando do centro. A crise foi uma oportunidade para os protagonistas certos porem em marcha um plano já arquitetado.

Para a direita, o problema agora é outro. Com um entendimento à esquerda que resiste contra as expectativas iniciais, e sem margem para reconversão programática, o que resta à caranguejola é ficar “sossegada”, à espera que a geringonça se desconjunte, empurrada pela Europa.

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