Para a nossa direita radical o Papa é do MRPP

(José Pacheco Pereira, in Público, 30/04/2016)

Autor

              Pacheco Pereira

É muito interessante ver aquilo que são os bas-fonds da nossa direita radical, entre comentários, blogues e twitter.


Peço desculpa ao Papa por usar o seu Santo nome em vão. Peço desculpa ao MRPP ao chamá-lo para estas coisas entre a santidade e asneira. Mas é muito interessante ver aquilo que são os bas-fonds da nossa direita radical, entre comentários, blogues e twitter.

Não, não estou a falar do PNR, estou a falar de apoiantes do PSD e do CDS, do extinto PAF, muitos “jotas”, mas também gente adulta que enfileirou nos últimos cinco anos do “ajustamento”, vindas de alguns think tanks e amadores da manipulação comunicacional que se formaram nestes anos. São também alguns colunistas no Observador, no Sol, no extinto Diário Económico e nos sites que estes jornais patrocinam com colaboração gratuita para formar uma rede de opinião que funciona para pressionar os órgãos de comunicação que, muitas vezes, de forma muito irresponsável, a ampliam em “informação” como oriunda das “redes sociais”. Não são um grupo muito numeroso, mas escrevem todos os dias e em quantidade, parecem estar de patrulha nas caixas de comentários e no twitter e são muito agressivos. Não se coíbem em usar citações falsas ou manipuladas, boatos, calúnias e insultos (Costa é o “monhé” e o “chamuça”, por exemplo). É na vida política portuguesa um fenómeno novo e não adianta dizer que o mesmo existe à esquerda, porque não é verdade.

Não estou a falar de um obscuro subproduto das proclamações mais comedidas de partidos como o PSD (embora raras) ou do CDS, mas de uma realidade mais profunda e espelhar visto que o tom e o mote são dados por colunistas e “pensadores” de direita mais elaborados. Para eles, Portugal é socialista desde o 25 de Abril, com excepção dos anos do governo Passos-Portas, e é governado por uma “oligarquia” de políticos e sindicatos ao serviço do tamanho do estado, como garantia dos seus proventos. Este conceito de oligarquia é interessante porque inclui os funcionários públicos, o aparelho sindical, todos os que fazem greve em empresas públicas, e todos os políticos que são apresentados como o braço armado dessa oligarquia. A oligarquia muito curiosamente não inclui os grandes empresários, os homens da finança, os lóbis junto do poder político, como os escritórios de advogados de negócios, e os donos dos offshores. Bagão Félix faz parte da oligarquia, junto com Carvalho da Silva, Boaventura Sousa Santos, e Ana Avoila, mas Eduardo Catroga, Carrapatoso, Ferraz da Costa, Bruno Bobone e Paulo Portas não.

O PCP é o Diabo, e o seu anticomunismo é o da Guerra Fria em versão salazarista, embora sejam muito amáveis com Putin (como Trump, aliás), com os chineses e com subprodutos do comunismo de partido único como o MPLA. Gostam do Partido Comunista Chinês, dono da EDP e da REN e de muito mais coisas, e não gostam do PCP. O BE, para eles, é hoje quem governa Portugal junto com os comunistas e são uma “raparigada” esganiçada. O PS tornou-se um partido da esquerda radical e tudo o que não alinhe com o “ajustamento” e a sua ideologia, são perigosos esquerdistas e socialistas. Depois de mim, e de Manuela Ferreira Leite, soma-se agora, no PSD, José Eduardo Martins que, como todos sabem, é um perigoso esquerdista. São todos também “socratistas”. A julgar por aquilo que eles consideram esquerdista, radical, comunista, o nosso bom Papa Francisco é do MRPP. Pior ainda, está muito à esquerda do MRPP.

Por que razão os nomes dos que usam ou fazem offshores em Portugal não me surpreende…

… Nada. Quando surgiram as notícias dos “papéis do Panamá” eu fiz uma lista mental, que aliás enunciei a alguns amigos. Até agora está lá quase tudo, mas ainda faltam alguns. Não é preciso ter qualquer dote especial de adivinhação, basta saber que tipo de pessoas com dinheiro em Portugal “estão sempre em todas”. E a barragem de gente, advogados em particular, que encheu os ecrãs de televisão para nos explicar que os offshores e ter dinheiro em offshores é legal, o que faz, e sabem o que fazem, é protege-los. Mas não estão sozinhos, a comunicação social que adoptou o “economês” como linguagem (aquilo a que Teodora Cardoso chama “racionalidade económica”), que é capaz de se exaltar com mil e uma coisas pequenas, acaba por mostrar uma especial “neutralidade” no tratamento dos offshores. À quinta notícia, separada cirurgicamente de uma semana, o efeito é o da mirtridificação, ou seja, o veneno já não faz efeito, porque já estamos habituados. Nenhum dos grandes dos offshores, aqueles que não se lembram de os ter feito, como se fosse uma coisa trivial, vai perder um tostão daquilo que perderiam se tivessem que pagar impostos devidos. E todos os que gravitam no mundo empresarial-comunicacional-político, e são vários, vão continuar a ter todas as tribunas que tinham como se nada acontecesse, sem sequer haver quem lhes pergunte, com as perguntas tipo HardTalk da BBC, sobre o que fizeram. É por isso, que nada vai ser feito sobre os offshores e é por isso que há muita injustiça inscrita em sociedades como a nossa.

A lição de Fernando Rosas

Conheci o Fernando Rosas numa reunião clandestina num pinhal de Aveiro destinada a organizar a participação dos esquerdistas no Congresso da Oposição. O objectivo era impedir a tentativa de controlo que o PCP se preparava para fazer de várias secções do Congresso, em particular as que diziam respeito ao movimento estudantil. A coisa acabou por dar origem a uma cena de pancadaria, bastante comum nesses tempos, quando os comunistas, tendo à frente Lino de Carvalho, queriam votar uma moção de golpe numa sala com uma sólida maioria esquerdista.

Ficámos amigos desde sempre e recordo-me das nossas discussões por volta dos primeiros anos da década de oitenta sobre teoria política, sobre o marxismo, sobre o materialismo, numa época em que tinha lido Popper, Monod e Kolakowski e uma espécie de luto teórico pelo esquerdismo estava na ordem do dia. Essas discussões muito animadas seguiam-se às reuniões da revista Estudos sobre o Comunismo numa espécie de cave existencialista que havia em Campo de Ourique com música aos berros e uma daquelas luzes de discoteca que nos fazia brilhar no escuro. Estava então o Fernando a começar a sua brilhante carreira académica, que o tornou no mais influente estudioso do salazarismo e do Estado Novo e que fez como poucos o seu lugar como “professor” no verdadeiro sentido da palavra, com centenas de discípulos a passar pelas suas aulas, e quase todas as teses de mestrado e doutoramento relevantes para a história contemporânea a serem feitas com a sua orientação. O pior que fiz a mim próprio foi não ter sido também seu “doutorado” numa altura em que pensei formalizar o trabalho que estava a fazer fora da universidade.

Fernando Rosas foi sempre e é um militante político nas causas em que acreditou, e sabe o preço que se paga em Portugal por não ter feito o que é suposto fazer para receber o reconhecimento, muitas vezes hipócrita, que se presta ao mérito. Se tivesse seguido o trajecto acolchoado, prudente, recatado e muitas vezes protegido, que a academia propícia aos que não querem meter-se em sarilhos políticos públicos, principalmente do lado “errado”, Rosas teria recebido um muito maior reconhecimento público, teria prémios como o Pessoa, e outras comendas. Não é que ele as desejasse, porque não trocava nada do que fez e faz por essas honrarias, mas é porque as merecia.

9 pensamentos sobre “Para a nossa direita radical o Papa é do MRPP

  1. Bom dia Pacheco Pereira. É só para deixar o meu obrigado pelas suas opiniões. Que falta fazem.😊😊😊😊. Resto bom fim de semana. Mafalda Reynolds

    No dia sábado, 30 de abril de 2016, “A Estátua de Sal” escreveu:

    > estatuadesal posted: “(José Pacheco Pereira, in Público, 30/04/2016) É > muito interessante ver aquilo que são os bas-fonds da nossa direita > radical, entre comentários, blogues e twitter. Peço desculpa ao Papa por > usar o seu Santo nome em vão. Peço desculpa ao MRPP ao ” >

  2. Até dá para pensar quem são os blogs e quais os nicknames.
    É verdade, abominam o actual papa. Talvez seja por algumas questões de beatério, tipo comunhão a divorciados – mas não é a hóstia que os engasga. É a encíclica sobre o ambiente, é a questão dos refugiados, é o sentimento de que o malandro quer tirar aos ricos para dar aos pobres. Em boa verdade o homem não se afasta da doutrina social da igreja, já com mais de um século e evoluindo com o tempo. Julgo que há ainda outro engulho: não é europeu. Não é do continente das igrejas vazias, das velhas beatas e da contracorrente punk dos devotos da luta contra a contracepção, uma praga que tem tanto poder de destruir uma família como ter um toxicodependente em casa.
    .
    Só que com essa gente – são de facto poucos os que guincham – fica uma pergunta: e o que pensa a nossa igreja? pelo que leio deve estar a fazer novenas para que o homem marche rápido para o Reino da Glória. À frente na reza vem o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, que teve a habilidade de transformar esta numa espécie de Academia Soviética do neoliberalismo económico. O leigo João César das Neves descobriu ali uma rica côngrua. Basta comparar o cv dele com o de qualquer economista mais afamado que por aí anda e dá para perceber. O que deixa a pergunta: o que anda o Patriarcado a fazer? pouco e mal. Tem vindo a cair desde que Dom António Ribeiro morreu. Sabem de mais de História Eclesiástica e de menos de outras matérias. E assim não dá.

    Com tudo isto, convém ao pessoal de esquerda reter que a sanha contra tudo o que é católico também não ajuda. Se não querem entregar o rebanho todo àquela camaradagem, ou pelo menos evitar que parte do rebanho para lá fuja, tenham mais tacto: há muitas maneiras de viver a laicidade. Por vezes parece que os querem apagar do mapa,

  3. “… Nada. Quando surgiram as notícias dos “papéis do Panamá” eu fiz uma lista mental, que aliás enunciei a alguns amigos. Até agora está lá quase tudo, mas ainda faltam alguns.”

    Falta o tal, o anti-democrata que maquinou “golpes para controlar a imprensa”, “golpes para controlar as empresas”, “golpes para vender a porcaria do ‘magalhães'”, “golpes com as energias renováveis, a construção do plano do Alqueva, a aposta na mobilidade electrica, e na ciência, o simplex e novas oportunidades” porque tudo se dirigia ao controlo geral do país como ficou provado ao montar as “escutas a cavaco” que seria o “Golpe Final” e cheque mate à democracia.
    E por falar em cavaco pá, tu que vês tudo, pensas tudo e sabes tudo, porque ainda não pensaste quem foi verdadeiramente “papa” fundacional e génese de toda essa “direita radical” que agora denuncias.?

  4. Cara Ana,
    As consciências políticas formam-se por ideias e não por amor. Talvez a sua condição feminina a leve mais para esse campo das intimidades.
    O que a História não deixará de registar é que cavaco foi o criador da escola e seu grande educador donde saíram todos os que pacheco denuncia, agora aqui, nesta conversa de catarse. Porque um dos mais influentes gurus do cavaquismo foi, precisamente, pacheco pereira que também foi braço direito de duarte lima e educador de grande parte do cavaquismo reunido à volta do bpn.
    E implantada e educada a escola cavaquista foi dedicar-se à escola do durão e dos restantes companheiros de durão e demais filhos do cavaquismo, como a manuela e actualmente rui rio e, parece, também eduardo martins.
    Vendo bem e, ligando as coisas, pode dizer-se que cavaco foi o criador desta “direita radical” no país que, depois durão aplicou na Europa como sipaio bom aluno.
    E lembro que, se as acções de cavaco e durão, apoiados por pacheco, tornaram inevitáveis algumas barbaridades económicas e de mortandades os, são todos eles, moralmente, culpados dessas barbaridades.
    Para não falar da ocultação do caso das “vacas loucas” que tiveram em pacheco um fervoroso adepto dessa ocultação por, disse-o no parlamento, estragar o negócio da exportação de carne. Também aqui o resultado foram muitos doentes e algumas mortes pela doença das vacas e, consequentemente, o mesmo problema da culpa moral por tais males.
    O problema de pacheco, minha cara, é que nada disto pode ser imputado a Sócrates mas a ele e, ao apontar-lhe o dedo acerca de tudo, quer sacudir a água do seu próprio capote.

  5. É certo e justo. O Fernando, mesmo em todo o período mrpp, manteve sempre um humanismo bem visível, que a loucura desvairada confundia com fraqueza, mas que é, no fundo, autencidade que conduz à grandeza qUE ele tem ineguavelmente hoje

  6. Sempre que tenho oportunidade ouço-o, sempre que posso leio o que escreve. Bem haja! Neste tempo de gente sem vergonha que vão aumentando o nosso cepticismo e angustia sabe bem perceber que nem tudo está podre no mundo da política.

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