O que é que se passa com as taxas negativas?

(Joseph E. Stiglitz, in Expresso, 23/04/2016)

Autor

Joseph Stiglitz

Para os bancos centrais, a taxa de juro é a ferramenta chave. Se uma positiva não chegar, então, uma negativa deve resultar. Mas isso não funciona.

NOVA IORQUE — Escrevi, no início de janeiro, que estimava que as condições económicas este ano seriam tão fracas como em 2015, esse que foi o pior ano desde que a crise financeira mundial eclodiu, em 2008. E, à semelhança do que já aconteceu várias vezes na última década, após passarem alguns meses do ano, outras previsões mais otimistas estão a ser reavaliadas de forma descendente.

O problema subjacente — que tem atormentado a economia mundial desde a crise, mas que piorou ligeiramente — é a falta de procura agregada global. Agora, em resposta, o Banco Central Europeu (BCE) reforçou o seu estímulo, juntando-se ao banco do Japão e a um par de outros bancos centrais para mostrar que o “limite inferior zero” — a incapacidade de as taxas de juro se tornarem negativas — é um limite apenas na imaginação dos economistas convencionais.

E ainda assim, em nenhuma das economias que tentou fazer a experiência não ortodoxa das taxas de juro negativas houve um regresso ao crescimento e ao pleno emprego. Em alguns casos, o resultado foi inesperado: algumas taxas de empréstimo até aumentaram.

Deveria ter sido evidente que a maioria dos modelos pré-crise dos bancos centrais — os modelos formais e os modelos mentais que orientam o pensamento dos governantes — estava muito errada. Ninguém previu a crise; e muito poucas destas economias aparentam a recuperação do pleno emprego. Famosamente, o BCE aumentou as taxas de juro duas vezes em 2011, precisamente no momento em que a crise do euro estava a piorar e o desemprego a aumentar para níveis de dois dígitos, colocando cada vez mais a deflação no horizonte.

Eles continuaram a usar os velhos modelos desacreditados, talvez ligeiramente modificados. Nestes modelos, a taxa de juro é a ferramenta-chave da política, ao ser registada nos seus percursos ascendentes e descendentes para garantir o bom desempenho económico. Se uma taxa de juro positiva não for suficiente, então, uma taxa de juro negativa deve resultar.

Não resulta. Em muitas economias — incluindo a Europa e os Estados Unidos — as taxas de juro reais (ajustadas pela inflação) têm estado negativas, às vezes até estão nos -2%. E apesar disso, uma vez que as taxas de juro caíram, os investimentos empresariais estagnaram. De acordo com a OCDE, a percentagem do PIB investido numa categoria que é na maior parte tangível caiu na Europa e nos EUA nos últimos anos. (Nos Estados Unidos passou de 8,4%, em 2000, para 6,8% em 2014, na UE passou de 7,5% para 5,7% no mesmo período.) Outros dados fornecem um quadro semelhante.

Claramente, a ideia de que as grandes empresas calculam com precisão a taxa de juro com a qual estão dispostas a realizar investimentos — e com a qual estariam dispostas a empreender um grande número de projetos, se apenas as taxas de juros baixassem mais 25 pontos-base é absurda. De forma mais realista, as grandes empresas estão sentadas em centenas de milhares de milhões de dólares — na verdade, biliões se agregadas entre as economias avançadas — porque elas já têm muita capacidade. Por que razão se vai construir mais só porque a taxa de juro desceu um pouco? As pequenas e médias empresas (PME) que estão dispostas a pedir empréstimos não conseguiam ter acesso ao crédito antes de o BCE estar negativo e agora também não.

Simplificando, a maioria das empresas — e especialmente as PME — não podem pedir empréstimos facilmente à taxa de obrigações do tesouro. Elas não pedem empréstimos nos mercados de capitais. Elas pedem empréstimos aos bancos. E há uma grande diferença (spread) entre as taxas de juro que os bancos estabelecem e a taxa de obrigações do tesouro. Além disso, os bancos racionam. Eles podem recusar emprestar a algumas empresas. Noutros casos, eles exigem garantias (muitas vezes imóveis).

Isto pode chocar a quem não é economista, mas os bancos não desempenham nenhum papel no modelo-padrão económico que os formuladores de políticas monetárias usaram nas últimas duas décadas. Claro, se não houvesse nenhum banco, também não haveria nenhum banco central; mas a dissonância cognitiva raramente abalou a confiança dos banqueiros centrais nos seus modelos.

O facto é que a estrutura da zona euro e as políticas do BCE garantiram que os bancos dos países com desempenho abaixo do esperado e especialmente nos países em crise são muito fracos. Os depósitos foram colocados de parte e as políticas de austeridade exigidas pela Alemanha estão a prolongar a escassez da procura agregada e a sustentar elevadas taxas de desemprego. Nestas circunstâncias, o empréstimo é arriscado e os bancos não têm apetite nem capacidade de emprestar, particularmente às PME (que normalmente gerem o maior número de postos de trabalho).

Uma diminuição na taxa de juro real — nas obrigações do Estado — para os -3% ou até mesmo os -4% irá fazer pouca ou nenhuma diferença. As taxas de juro negativas causam danos nos balanços dos bancos, com o “efeito riqueza” nos bancos a esmagar o pequeno aumento em incentivos para emprestar. A menos que os governantes sejam cuidadosos, as taxas de empréstimo podem aumentar e a disponibilidade de crédito pode diminuir.

Existem três problemas adicionais. Primeiro, as baixas taxas de juro incentivam as empresas a investir em tecnologias de capital mais intensivo, resultando numa procura de trabalho que diminui a longo prazo, mesmo que o desemprego diminua a curto prazo. Segundo, as pessoas mais velhas que dependem do rendimento de juros sofrem ainda mais, reduzem muito mais o seu consumo quando comparadas com aqueles que beneficiam com a diminuição nas taxas de juro — donos de capital ricos — e aumentam o seu consumo, prejudicando a procura agregada atual. Terceiro, a procura talvez irracional, mas amplamente documentada de rendimentos implica que muitos investidores irão redirecionar as suas carteiras para ativos mais arriscados, expondo a economia a uma maior instabilidade financeira.

O que os bancos centrais deveriam fazer era focarem-se no fluxo de crédito, o que significa restabelecer e manter a capacidade dos bancos locais e a disponibilidade para emprestarem às PME. Em vez disso, em todo o mundo, os bancos centrais têm incidido sobre os bancos sistemicamente significativos, as instituições financeiras cuja tomada de riscos excessivos e práticas abusivas causaram a crise de 2008.

Mas um grande número de pequenos bancos no total é sistemicamente importante — especialmente se algum estiver preocupado com a restauração de investimento, do emprego e do crescimento.

A grande lição de tudo isto é apreendida pelo velho ditado: “entra lixo, sai lixo”. Se os bancos centrais continuarem a usar os modelos errados, eles continuarão a fazer a coisa errada.

Claro, mesmo nas melhores circunstâncias, a capacidade da política monetária para transformar uma economia em queda em pleno emprego pode ser limitada. Mas confiar no modelo errado impede que os banqueiros centrais contribuam com o que podem — e podem até piorar uma situação que já é má.

Um pensamento sobre “O que é que se passa com as taxas negativas?

Deixar uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.