Pior do que ’tá fica

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 22/04/2016)

quadros

João Quadros

Depois de ter visto em directo o espectáculo da votação do “impeachment” na Câmara dos Deputados fiquei com a sensação que a corrupção é bem capaz de ser um problema menor.


Olhando para os deputados que representam a enorme nação brasileira, começa o meu espanto porque não sabia que havia tão poucos negros no Brasil e tão poucas mulheres. Na Câmara dos Deputados ainda há menos negros do que nas novelas da Globo e muito menos mulheres jeitosas. Uma pessoa olha para aquele Parlamento, num país como o Brasil, não há negros, quase não há mulheres, só falta haver fado e aquecimento central.

Quando liguei a televisão, aquilo que vi , naquela Câmara de Deputados, parecia uma largada de deputados Carlos Abreu Amorim. Enrolados em bandeiras com o lema “Ordem e Progresso”, os deputados do “sim” apuparam mulheres enquanto falavam, uivaram a “gays”, dedicaram alma a Deus e aplaudiram eufóricos a homenagem a um torturador de mulheres. Um retrocesso ordenado. Resumindo, vi a mistura da religião a inundar o estado laico, machismo, xenofobia, homofobia, fascismo (e muito mau gosto a vestir). Depois disto, a corrupção quase parece a garota de Ipanema.

Mas deixem-me contar o que vi naquela votação. Supostamente a votação era: “sim” ou “não”, a um processo de “impeachment” a Dilma devido a abuso de poder económico no financiamento da campanha presidencial de 2014, mas não por corrupção (até ver). Mas foi tudo menos isso. Na realidade os argumentos utilizados pela maioria dos deputados que votaram foi uma coisa do género, e confie o estimado leitor que a minha imaginação não ultrapassa a realidade:

– Pelo meu cachorro Piloto e a minha moto Suzuki, eu voto “sim”;

– Pela nação de Israel e a pizza italiana, voto “sim”;

– Pela Daniela, minha querida e fiel esposa, voto “sim”;

– Pelo primo do cunhado da minha porteira, voto “sim”;

– “Pela minha mamãe” e tenho chichi, voto “sim”;

– Pela Daniela, minha amante, voto “sim”;

– Pela mulher do deputado Marcínio, que é óptima, voto “sim”;

– Por Milla, mil e uma noites de amor com você, na praia, num barco, num farol apagado, eu voto “sim”.

 O que me faz confusão é como é que este país ainda não deu barraca mais cedo com um Parlamento que vota pelos evangélicos cariocas manetas e pela fofa da netinha Soraya. Ao menos cá só votam pela Casa Mozart e pela Arrow Global, é outro nível.

Deixei o horror para o fim. Um deputado, Bolsonaro, visto por muitos como o grande candidato a PR, dedicou, perante ovação, o seu voto “sim”, ao coronel Usra, a quem chamou o “Terror de Dilma”, e eu fiquei aterrorizado. Um “homem” homenageia o torturador de Dilma, um sub-humano, felizmente já falecido, que enfiava ratos nas vaginas de grávidas como método de tortura, e aquela câmara aplaude?!! Bem pode esta gente dedicar votos a filhos e netos, e chamar Jesus Cristo para o seu lado que, nos seus urros e aplausos, vê-se bem que país lhes vão deixar.

4 pensamentos sobre “Pior do que ’tá fica

  1. Qual palavra para descrever a loucura jurídico democrática e social que se está a viver no Brasil?
    Uma palavra que misture: insânia – indecência – monstruoso – espantalho – surreal – grotesco – mau gosto – fascismo – mentira evangélica – xenofobia – machismo, irracionalidade …
    Provavelmente so apenas possível com uma palavra alemã, multi-conceptual e muito longa, ainda por compor. Um “piordoquestafica” ultra-“esperpéntico” de espelhos deformantes e reaccionários

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