Banca nacional: e ninguém cora de vergonha?

(Nicolau Santos, in Expresso, 27/02/2016)

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O anúncio de que o Novo Banco registou prejuízos de €980,6 milhões em 2015 e que provavelmente só terá lucros em 2017 é estarrecedor. Se um banco, que nasceu com o conta-quilómetros a zero, como anunciou o governador do Banco de Portugal; se um banco que viu o seu passivo expurgado dos ativos tóxicos; se um banco que arrancou com um capital inicial de €4900 milhões, dos quais 3900 milhões garantidos pelos contribuintes; se um banco que no final de 2015 viu retirados das suas responsabilidades mais €1900 milhões de cinco emissões de dívida sénior, que passaram para o BES “mau”; se um banco que tem um presidente emprestado por uma das maiores instituições financeiras europeias, o Lloyds Bank; pois se um banco com todas estas condições, estes apoios e estas redes de proteção mesmo assim consegue apresentar prejuízos de quase mil milhões de euros, anunciados quase com desfastio e como se fosse normal pelo presidente Stock da Cunha, então o problema é muito mais fundo do que se pensava.

E o problema não é apenas o Novo Banco mas, como começa a ser ululantemente óbvio, o sistema financeiro português, onde quatro dos cinco maiores bancos estão a viver situações muito difíceis. A Caixa Geral de Depósitos necessita de um aumento de capital, na casa dos €1400 milhões, além de ainda não ter pago as ajudas públicas de €900 milhões que recebeu; o BCP já pagou parte mas ainda deve €750 milhões; o Novo Banco tem lá €3900 milhões garantidos pelo Estado e já se sabe que vai precisar de um novo aumento de capital; e o BPI vive uma situação de grande tensão acionista, que o pode levar a ter de vender a posição maioritária que detém no Banco de Fomento de Angola, de onde vêm cerca de 80% dos seus resultados.

O descalabro da banca portuguesa é o reflexo do descalabro da economia nacional após quatro anos de austeridade e sequelas profundas sobre o tecido produtivo. Perante este quadro, qualquer cidadão se interroga como foi possível os bancos portugueses terem passado por sucessivos testes de stresse conduzidos pelas autoridades europeias, saindo sempre aprovados; e como foi possível o Banco de Portugal garantir sucessivamente que o nosso sistema financeiro era sólido e seguro.

Perante este quadro, qualquer cidadão, que já paga mais de €2500 milhões pelo caso de polícia que foi o BPN, que já encaixou perdas de 2100 milhões com o Banif e que vai pagar provavelmente esses dois valores somados pela resolução do BES e pela venda do Novo Banco, qualquer cidadão, dizia, se interroga sobre quando chegará ao fim este filme de terror. E se ninguém — Juncker, Draghi, Constâncio, Carlos Costa, Passos, Maria Luís — cora de vergonha.

Uma coisa é certa: o descalabro da banca portuguesa é o reflexo do descalabro da economia nacional após quatro anos de austeridade e sequelas profundas sobre o tecido produtivo. E a prova, mais uma, de como o ajustamento foi errado tecnicamente e mal conduzido politicamente.


A mão de Angola na Justiça

Depois de ter comprado empresas portuguesas altamente endividadas, bancos descapitalizados, operadores de telecomunicações muito promissores, elétricas de grande potencial e grupos de comunicação em dificuldades, depois de receber mais de 8000 empresas portuguesas e mais de 150 mil portugueses no seu país, depois de, por causa de uma investigação judicial, ter visto o poder político português ajoelhar-se aos seus pés e do poder judicial pedir-lhe desculpa, eis que o dinheiro angolano parece ter chegado a um dos pilares da democracia. O caso do ex-procurador Orlando Figueira, detido por indícios de corrupção relacionados com uma investigação ao vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, que o procurador acabou por arquivar, é inquietante; e se se provar que o Banco Privado Atlântico Europa, onde Figueira tinha a conta por onde passou o dinheiro suspeito, não reportou esse movimento ao Banco de Portugal, então pode concluir-se que o poder económico angolano já se sente à vontade para atuar por cá como no seu país: sem quaisquer freios.


A insustentável leveza do Orçamento do Estado 2016

Ao fim de 42 anos de democracia, os partidos de esquerda aprovaram em conjunto um Orçamento do Estado. Mas, por romper com as orientações muito marcadas seguidas nos últimos quatro anos, enfrenta várias dificuldades. A primeira é que este orçamento tem contra si a enorme desconfiança da Comissão Europeia, já que “alguns membros pronunciaram-se a favor da (sua) rejeição”, desconfiança que ainda é mais acentuada no Eurogrupo. E, assim, Bruxelas, que não acredita no cumprimento das metas nele estabelecidas, exigiu um novo pacote de medidas até abril, que serão aplicadas se o OE começar a derrapar — e que vão provocar tensões nos partidos que apoiam o Governo.

A segunda dificuldade é que este orçamento perdeu a oportunidade de causar uma primeira boa impressão. A primeira versão foi zurzida interna e externamente pelo Conselho das Finanças Públicas, UTAO, Comissão Europeia, Eurogrupo e agências de rating. Ter a desconfiança logo à partida de Teodora Cardoso, Jean-Claude Juncker, Valdis Dombrovski, Jeroen Dijsselbloem, Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch, não sendo surpreendente, não é bom cartão de visita e fragiliza-o perante os agentes económicos. A terceira grande dificuldade é que, cumprindo o lema do primeiro-ministro — “palavra dada é palavra honrada” — o OE repõe salários e pensões e reduz a sobretaxa do IRS para quase todos os contribuintes, mas noutras áreas (ADSE, tarifa social de eletricidade) parece estar a ir mais além do que prometeu e do que seria prudente, podendo colocar em causa o cumprimento das metas acordadas com Bruxelas. A quarta dificuldade é que este OE, que tinha uma lógica (estimular o consumo, sobretudo das classes mais baixas, para relançar o mercado interno, o investimento e o emprego, mantendo as contas públicas sob controlo), está agora fortemente limitado por ter sido obrigado a introduzir um conjunto de medidas que contrariam essa orientação. Ou seja, este orçamento é agora menos do que queria ser.

Uma coisa é certa: este é um orçamento que irrita os neoliberais europeus. Só por isso, o OE-2016 merece uma oportunidade — para provar que, ao contrário do que tem sido dito, há mais (e melhores) caminhos para chegar à terra prometida.


Minha avó e minha mãe

perdi-as de vista num grande armazém

a fazer compras de Natal

hoje trabalho eu mesma para o armazém

que por sua vez tem tomado conta de mim

uma avó e uma mãe foram-me

entretanto devolvidas

mas não eram bem as minhas

ficámos porém umas com as outras

para não arranjar complicações

(Adília Lopes, ‘Minha avó e minha mãe’, in “De A Pão e Água de Colónia” (1987))


5 pensamentos sobre “Banca nacional: e ninguém cora de vergonha?

  1. Como é óbvio. os PàFiosos aos costumes dizem nada a não ser que o Coelho está pronto para (des)governar outra vez o que não constitui uma promessa mas sim uma ameaça.

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