O futuro é do Banco Santander

(Nicolau Santos, in Expresso, 07/02/2016)

nicolau

As ondas de choque da grande crise de 2008 atingiram profundamente o sistema financeiro europeu. A União reagiu de forma lenta e pouco sincronizada. Mas pouco a pouco tem vindo a acertar agulhas. A entrada em vigor da União Bancária a 1 de janeiro de 2016 é uma peça-chave para concretizar o que será o sistema financeiro europeu tal como está a ser desenhado pela Comissão Europeia, pela DG Com e pelo Banco Central Europeu. E começa a ser muito claro o que se pretende: de acordo com a sua dimensão, cada país terá direito a apenas uma ou mais do que uma grande instituição financeira; e haverá não mais do que uma dúzia de megabancos que serão a grande referência para as autoridades europeias e os interlocutores privilegiados através dos quais serão passados os estímulos que se pretendem para os agentes económicos.

Está na hora de Lisboa exigir a Bruxelas um amplo debate sobre o que está em marcha para a banca europeia e as consequências que isso vai ter para Portugal

Ora é à luz deste projeto que se podem entender melhor as decisões de resolução de que foram alvo o Banco Espírito Santo e o Banif. E é também a essa luz que se pode entender a pressão que Bruxelas fez para que fosse o Santander a ficar com o Banif — e que os responsáveis nacionais do banco vermelho admitam que estão a estudar a possibilidade de concorrer à compra do Novo Banco, o que voltaria a agradar sobremaneira a Bruxelas. Na prática, o Santander, que já fez desaparecer do mercado português pequenos bancos como o BIC e outros de referência como o Totta e Açores e agora o Banif, eliminará assim também o terceiro maior banco nacional se adquirir o Novo Banco.

Digamos que isto bate certo com a teoria que diz que a estratégia das autoridades europeias visa tornar o Banco Santander a instituição financeira de referência para a Península Ibérica. A ideia pode surpreender-nos, mas não é nada que Roger Wolfe, poeta britânico há muito radicado em Espanha, não tivesse previsto em 1998 no seu poema ‘Glosa a Celaya’: “A poesia/ é uma arma/ carregada de futuro./ E o futuro/ é do Banco/ Santander”. Se lêssemos mais os poetas e ouvíssemos menos os políticos e os economistas não estaríamos agora a ser apanhados de surpresa. Mas como não lemos, está na hora de Lisboa exigir a Bruxelas um amplo debate sobre o que está em marcha para a banca europeia e as consequências que isso vai ter para Portugal, ao nível da banca e do financiamento da economia em geral e das empresas em particular. Até lá deve ser muito ponderada a possibilidade de não vender o Novo Banco ao Santander — ou não o vender de todo. É esse o único trunfo que ainda temos para jogar.


Paddy, o bolo e a cereja

Há cinco anos, Portugal não estava no mapa das startups tecnológicas. Agora está no pelotão da frente da segunda linha devido ao extraordinário trabalho de algumas dessas empresas, que têm vindo a conseguir obter a atenção (e o financiamento) de investidores internacionais, devido à inovação dos seus produtos e serviços. Nomes como Codacy, Uniplaces, Talkdesks, Beta-I, Science4you ou Zaask estão a tornar-se familiares externamente. Falta, contudo, o passo seguinte: que algumas destas empresas se tornem unicórnios, que cresçam tão rapidamente que o seu valor ultrapasse os mil milhões de dólares e que venham a ser as novas Google ou Facebook do século XXI. A qualidade nasce da quantidade. Alargar o número de empresas tecnológicas nacionais é decisivo. Nesse sentido, a Web Summit dará um contributo decisivo, trazendo a Lisboa milhares de investidores internacionais interessados em novas ideias. Mas como disse esta semana Paddy Cosgrave, CEO do evento, a Web Summit é apenas a cereja no topo do bolo. O bolo, esse, tem de ser feito pelo talento e pelo esforço português.


A Europa “à la carte” de Cameron

Bruxelas anda preocupada com a possibilidade de a Grã-Bretanha sair da União Europeia. Mas não devia. A Grã-Bretanha nunca esteve de corpo e alma na União Europeia. Londres foi membro fundador da EFTA para se opor à Comunidade Económica Europeia. Quando quis aderir, o Presidente francês Charles de Gaulle, cético, bloqueou por duas vezes a entrada. Foi sempre um parceiro desconfiado e recalcitrante. Margaret Thatcher disse mais do que uma vez aos seus pares: “I want my money back”. Agora, para defender a permanência da Grã-Bretanha na União, David Cameron exigiu um conjunto de benesses — e Donald Tusk, o presidente do Conselho, concedeu-lhas. A partir de agora, qualquer trabalhador, português ou espanhol, por exemplo, que procure trabalho na Grã-Bretanha terá menos direitos do que um trabalhador britânico. Mais: Londres fica com o direito de travar qualquer decisão comunitária que não lhe agrade. Não faz sentido manter na União um parceiro que está contra o atual projeto europeu.


OE estranho

O Orçamento do Estado para 2016 é um animal estranho. Estranho para a ortodoxia que mora na Comissão Europeia, no Eurogrupo, no FMI e em Berlim. Estranho para o PSD, CDS e todos os que leram pela mesma cartilha.

Ao fim de quatro anos de austeridade, o OE-2016 tenta chegar aos mesmos objetivos (redução do défice e da dívida) por outros meios que não os do costume: cortes de salários e pensões, aumento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, drástico emagrecimento do Estado social. E isto baralha e incomoda muita gente, porque se resultar é a prova de que a crise poderia ter sido combatida por outras vias que não a irritante TINA (There Is No Alternative). Tem riscos? Claro que tem. Se o crescimento e a inflação não se verificarem, o défice será muito superior. Mas o que é que aconteceu com os quatro orçamentos dos governos PSD/CDS? Obrigaram todos não a um mas a dois (!) orçamentos retificativos. Por isso, este OE alternativo merece uma oportunidade. E se tiver de haver um retificativo, não será seguramente um drama.


habitavas o lugar do sonho. e regressavas sempre à mesma hora.

cruzavas as mesmas esquinas. ninguém te conhecia. dentro

de ti a dor que às vezes lembravas. não a esquecias. um dia havia

de morrer contigo. só assim teria fim.

tu. eu. homem. menino. pequenino. quase homem. um dia.

faz por seres bom rapaz. dizias com ou já sem razão. e respondia

o menino

— eu vou. não te preocupes. eu faço. eu cuido-me.

e despedíamo-nos no último abraço. talvez o último. talvez para

sempre. talvez até nunca.

na absurdidade do lamento, partia. triste. só. e pensava: eu faço-me,

eu cuido-me, eu vou.

e queria ser homem como tu. grande. talvez menino. chorar às vezes.

no lamento do mundo tremia. mãos. pernas. braços. todo eu tremia.

como um pau de marmeleiro, tremia.

era pequenino. triste. só. quase só. procurava o abismo

da irremediável existência. queria ser para sempre. homem.

pequenino. grande. pequenino. homem. grande.

— sim. não te preocupes. eu sei. eu faço. eu cuido-me. eu vou.

agora, em silêncio, contemplo a tua imagem. não te vejo. não estás.

em silêncio falas-me. não te vejo. não te ouço.

precisava tanto que não tivesses morrido.


(Eduardo Quina, ‘faz por seres bom rapaz’ (para o avô Eduardo), in “sombras mortas entre os dedos”, apuro edições, dezembro de 2015)

 

Um pensamento sobre “O futuro é do Banco Santander

  1. Pois, é por estas e por outras, ou melhor, é por ser como é, que este Nicolau – o “lacinhos”, como os pafistas ainda ressabiados e toda a direita salazarenta o costuma apelidar – faz tremer todos os reacionários lusos, assim como se distingue, pela positiva, dos (muitos) mais escribas fedorentos e outros tantos auto-proclamados comentadores, pliticólogos e fasedores de opinião.
    Força, amigo Nicolau, porque eles não sabem, nem sonham, que o mundo pula e avança….

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