O dr. Costa deve estar muito preocupado, deve

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 25/01/2016)

nicolau

O grande derrotado da noite eleitoral não foi Maria de Belém, Jerónimo de Sousa, Edgar Silva. Não. A acreditar na maior parte da comunicação social o maior derrotado da noite foi o primeiro-ministro, António Costa. Sim, sim. Nem deve ter dormido ontem à noite.

Para o “Diário de Notícias”, o jornal “i” e o “Jornal de Negócios”, António Costa está entre os grandes derrotados da noite. Para o DN porque “não conseguiu travar a pulverização de candidaturas à esquerda, duas delas com fortes apoios no seu partido”; para o “i” porque “perdeu as regionais na Madeira, as legislativas de outubro e, agora, as presidenciais”; e para o JN porque “a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa é o pior de todos os resultados para o líder do PS e atual primeiro-ministro”.

Se os meus ilustres camaradas de profissão o dizem é porque deve ser verdade. Permito-me, contudo, propor que se olhe para o problema de maneira diferente. E para sistematizar, que o façamos em sete pontos.

1) Depois de se confirmar que António Guterres não seria candidato e que António Vitorino também não avançaria, não havia nenhuma personalidade da área socialista que estivesse em condições de bater a notoriedade e a popularidade de Marcelo Rebelo de Sousa. Não gastar armas e energias numa batalha perdida costuma caracterizar os grandes estrategas.

2) Como é óbvio, Costa não dispunha de nenhum poder para impedir a proliferação de candidaturas à esquerda, a não ser que tivesse o ás de trunfo (Guterres). Não o tendo, não só se desinteressou da eleição (sobretudo a partir do momento em que Marcelo Rebelo de Sousa se afirmou como o único candidato do centro-direita), como era inevitável a tal pulverização de candidaturas à esquerda que, lembre-se, é uma constante desde que há eleições presidenciais livres em Portugal. Outra constante é o facto de o vencedor ser sempre encontrado logo à primeira volta – com a exceção muito especial das eleições de 1986.

3) Marcelo passou a campanha a fazer declarações de amor ao Governo PS e a deitar água na fervura em todos os dossiês polémicos, passando sucessivos atestados de responsabilidade ao Governo e afastando qualquer hipótese de, assim que se sentar em Belém, dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições. Além do mais, Marcelo, como mostrou o seu discurso de vitória, pretende ser um Presidente inclusivo, não discutindo uns votos em detrimento de outros e pretendendo sarar as feridas e as clivagens abertas pelos quatro duríssimos anos de austeridade e sustentando mesmo a necessidade do país apostar no crescimento, palavras que seguramente devem ter desagradado mais a Passos Coelho do que ao primeiro-ministro. Por que é que a sua eleição há de ser o pior de todos os resultados possíveis para Costa?

4) Além do mais, Marcelo não era o candidato que Passos Coelho defendia e não lhe ficou a dever nada nesta campanha, pelo que não tem de lhe pagar favores. É um dos presidentes mais livres que, desde 1974, alguma vez esteve em Belém. E quer na campanha eleitoral quer no seu discurso de vitória distanciou-se claramente da política de austeridade seguida por Passos. Um Presidente da República que não aprecia o presidente do maior partido da oposição (e que sabe que este lhe paga na mesma moeda), que não é entusiasta das políticas que ele seguiu e que claramente se orienta pelos princípios sociais-democratas que caracterizaram o PSD até Passos o levar para uma deriva ferozmente neoliberalista, não é seguramente um grande incómodo para António Costa.

5) A estrondosa derrota de Maria de Belém é também uma excelente notícia para o líder do PS e primeiro-ministro. A ex-presidente do partido, vários notáveis que estão contra a atual fórmula de Governo e os seguristas juntaram-se numa candidatura destinada a tentar causar sérios problemas a António Costa, a desgastá-lo e, em última instância, a obrigá-lo a resignar. Saiu-lhes o tiro pela culatra. Maria de Belém começou mal e acabou pior. A sua candidatura nasceu contra o apoio que o secretário-geral do PS tinha dado informalmente a António Sampaio da Nóvoa e não tinha mais nada para a justificar perante os portugueses. Foi por isso perdendo gás e a machadada final foi o caso das subvenções, onde a candidata perdeu definitivamente a sua honra republicana. Com tudo isto, António Costa bem pode continuar a perder eleições, desde que se mantenha como primeiro-ministro, porque durante muito tempo não se ouvirá falar de oposição interna no PS.

6) O excelente resultado de Marisa Matias também não é uma má notícia para Costa. O Bloco de Esquerda tem sido um partido mais responsável e sólido no apoio ao Governo do que o PCP, ao contrário do que se esperava. Este resultado demonstrará a Catarina Martins e aos seus pares que este posicionamento é premiado pelos eleitores, em vez de grandes declarações ditirâmbicas ou atos radicais que acabam por afastar os cidadãos que veem com muita simpatia este “novo” BE – pelo que se pode esperar que os bloquistas continuarão a ser um apoio sólido do Governo nos momentos parlamentares decisivos. Mas há mais. É que apesar do excelente resultado, ele repete, na prática, o que o Bloco obteve nas últimas legislativas. Ou seja, o Bloco não cresceu – e isso é, para já, uma preocupação a menos para Costa.

7) Finalmente, a última boa notícia para Costa da noite eleitoral é a derrota quase humilhante de Edgar Silva, uma aposta do líder comunista, Jerónimo de Sousa. O PCP podia facilmente ter apoiado Sampaio da Nóvoa. Preferiu ir por outro caminho. Jogou e perdeu muito. É claro que há sempre o risco do desespero e de o PCP querer vir a ganhar nas ruas a influência que está a perder nas urnas. Mas quem sair agora do barco que Costa colocou a navegar dificilmente não será penalizado em eleições antecipadas – pelo que o PCP pensará muito maduramente antes de rasgar o acordo que assinou com o PS.

Digamos, portanto, que as notícias de que Costa foi um dos grandes perdedores da noite me parecem manifestamente exageradas. Só o futuro, contudo, dirá quem tem razão. Marcelo é imprevisível mas não é de grandes confrontos e abruptas clivagens. Tanto ele como Costa são duas velhas raposas da política portuguesa, que se conhecem bem, o que lhes permite antecipar com alguma razoabilidade o que cada um vai fazer a seguir.

Uma coisa é certa: a partir de agora, o Governo PS não terá em Belém um presidente ressabiado e pronto a fazer tudo para lhe dificultar a vida. E isso muda quase tudo nas relações entre o Palácio de Belém pintado verdadeiramente de laranja e São Bento engalanado nos tons de rosa originais.

PS – Uma última nota para Sampaio da Nóvoa. Fez uma campanha sempre a crescer, com intervenções políticas cada vez melhores e mais consistentes. Foi o único que tirou Marcelo do sério e o obrigou a explicar-se politicamente, tendo ganho claramente esse debate ao novo Presidente da República. E o discurso de derrota que proferiu, sem ressabiamentos e reconhecendo Marcelo como presidente de todos os portugueses, fez dele claramente o vencido mais vencedor da noite.

14 pensamentos sobre “O dr. Costa deve estar muito preocupado, deve

  1. Quando imperam: a lucidez esclarecia; o pragmatismo sem ressabiamentos; a independência e a deontologia jornalísticas; a lealdade aos seus leitores, bem como o respeito pela sua inteligência; a elevação e a abrangência colocadas na análise contextualizada; e mais, não lembro agora, quantas outras “coisas destas” de que, com as suas clarividência e sagacidade, o Nicolau é capaz (e poucos mais, infelizmente para o jornalismo luso que por aí vegeta ao serviço do grande capital nacional e estrangeiro e, em consequência, contribuindo para adensar ainda mais a alienação das massas votantes e pagantes, com os “excelentes” resultados que de há 40 anos a esta parte se vêm obtendo), o resultado é surgirem textos com tão elevado quanto raro nível intelectual como este que o Nicolau escreveu e que eu irei divulgar por tudo quanto é sítio e até que a voz me doa.
    Por isso, parabéns ao autor, obrigado pelo texto – que subscrevo integralmente e, se necessário, assino por baixo – e que continue a privilegiar-nos com os seus escritos durante muitos anos e bons. Apenas um reparo, se me é permitido: tendo em conta o luso habitat mediático que, infelizmente para mim, claro, vamos tendo, em temáticas como as que aqui abordou, não seria recomendável o uso de um pouco mais de vinagre na tinta com que escreve nas linhas?!… é que, utilizando-o apenas nas entrelinhas, nem todos, por certo, atingirão todo o alcance. E, por vezes, é preciso, digo eu, claro, que, por enquanto (parafraseando o Darwin) sou agnóstico e não vivo da escrita.
    Aquele abraço ao Nicolau, extensivo à Estátua de sal.

    • Claro que a honra seja feita a este Jornalista, pois eu considero um Homem de grande intelectualidade, com muita experiencia e competência, no entanto parece que ele é que está bem preocupado com o SR. Costa, ora eu acho que Costa nem é um vencido nem é um vencedor, isto porque ele é um Homem inteligente e soube trabalhar com situação que alguns oportunistas do PS lhe criaram, tentando dividir o Partido, mas o que se verificou na prática não foi isso, até porque alguns Históricos já estavam fartos de derrotas e ainda se meteram noutra aventura, o que considero muito baixo nível, seria melhor estarem em casa com os netos do que fazerem vergonhas. Dito isto acho que o Dr. Costa está forte e recomenda-se. Peço mais uma vez ao Dr. Costa, muito trabalho, honestidade e competência, bem como união em todo o PS, olhem que o Povo está atento e não gostam de oportunismo, vamos dar uma lição aos que nos querem ver mal, para isso temos de ser muito BONS no que fazemos. O futuro do PS e de PORTUGAL está nas mãos deste Governo. FORÇA PS E VIVA PORTUGAL. JUNTOS VAMOS VENCER!!!!!!!!!!!

      ARMANDO LOPES

    • Sim, caro Albertoonofre, Nicolau Santos deixa-nos sempre a esperança que este pais tem gente digna que serão capaz de mudar o rumo para melhor. Oiço todas as manhãs as suas crónicas sobre economia na Antena 1, embora sejam muitas vezes técnicas demais para mim…!

      • É verdade, eu quase sempre escuto e ou leio o Nicolau Santos e entendo-o bem porque também fiz economia há já quase 40 anos.

  2. Estando em acordo com alguns pontos, estou em desacordo noutros. Apenas gostaria de lhe perguntar o seguinte, numas eleições onde mais de metade do país não votou, como se pode tirar algum tipo de observação como as mencionou? Ou, que dilação à a fazer de uma tão alta abstenção?
    Pode estar aqui uma causa efeito do sucedido nas últimas legislativas ou o desinteresse completo dos portugeses para estas eleições do presidente?

  3. A vitória de Marcelo à primeira volta, por uma margem razoavelmente pequena, e com uma abstenção alta (mas não excessiva) constitui igualmente uma dor de cabeça a menos para Costa. Não tem que se envolver numa segunda volta em que teria necessariamente que dar a cara por Sampaio da Nóvoa e em que Marcelo teria provavelmente que recorrer à máquina do PSD. Se Marcelo ganhasse à segunda volta com uma percentagem maior, como indicam as sondagens, o PSD iria cobrar-lhe a vitória (e ele teria provavelmente que inflectir o discurso). Pelo menos enquanto Marcelo permanecer entretido a tentar defenestrar Passos Coelho, Costa pode dormir descansado. Depois, o resultado de Maria de Belém corresponde, espera-se, ao toque de finados do segurismo. O que lhe aconteceu com a questão das subvenções foi algo injusto, porque o TC deu razão aos deputados, pelo que foi reposta a legalidade, populismos à parte (em que caíram Nóvoa, Marcelo e sobretudo Marisa Matias). No entanto, permaneceu a contradição insanável entre a sua acção agora e a sua inacção aquando do pedido de verificação sucessivo de constitucionalidade do OE de 2012, cortesia da ‘abstenção violenta’ da direcção de Seguro, de quem Belém era Presidente, e que mostrou em pleno a mediocridade, quando não o colaboracionismo com a Direita, do segurismo. Note-se aliás que a linhas justicialistas de Paulo de Morais ou de Henrique Neto também saíram clamorosamente derrotadas. Dito isto, o meu candidato era Nóvoa, fiquei triste pela sua derrota e estivesse eu no lugar de Costa e não lhe teria negado o apoio desde a primeira hora, porque em política é preferível e mais honroso ir à luta e perder que ficar a olhar para as unhas de fora do ringue…

  4. Concordo consigo plenamente em todo o que escreveu neste texto. Votei Sampaio da Nóvoa, tendo um fraquinho pela Mariza… mas não me arrependo. Só espero que António Costa possa governar para melhorar a situação deste pais que amo muito e para melhorar a sua imagem que há-de no futuro lançar para o mundo. Bem haja
    Danielle Foucaut

  5. Enquanto Pedro Passos Coelho for presidente do PSD, António Costa não terá grandes motivos de preocupação em relação a Marcelo Rebelo de Sousa. Agora quando o PSD mudar de presidente e se a mudança for do agrado do Presidente da República, aí penso que haverá razões para o Primeiro Ministro se preocupar e muito.

  6. Perfeita esta análise amigo Nicolau Santos! Não só concordo em absoluto com a objectividade da tua análise, e acrescentaria apenas, ainda que de forma pleonástica, que António Costa é seguramente um dos 3 vencedores da noite! Deixemos que o futuro nos contradiga, se para tanto sobrevir engenho e arte políticos.

  7. Marcelo não vai criar problemas mas antes ajudar o governo. É um homem muito inteligente mas com um ego maior que ele. Vai brilhar ajudando o governo. Quem mais ganhou com estas eleições foi Marisa, pois ganhou um lugar na politica portuguesa e europeia. Ela já não é só a deputada europeia.

  8. Obrigada Nicolau Santos, pela maneira talentosa como escreve os seus artigos!
    Continue a brindar-nos com a sua inteligência, imparcialidade e leveza de opinião. Neste momento de agressividade em que a comunicação social vive, o Nicolau é a lufada de ar fresco, que precisamos!
    Bem haja.

  9. Subscrevo tudo o que atrás li. E já agora acrescento, sou fiel leitora dos artigos do Nicolau, é o que nos resta, infelizmente. Continue Nicolau, que a imparcialidade impere, sempre.

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