O homem que as televisões criaram

(Baptista Bastos, in Jornal de Negócios, 22/01/2016)

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Baptista Bastos

Que sabemos de Marcelo fora do que a televisão nos queira dar? As omissões chegam a ser afrontosas.

Se as eleições presidenciais derem a vitória a Marcelo Rebelo de Sousa, mais uma vez ficarão provados os malefícios da televisão, quando usada como o tem sido no nosso país. Quais os méritos do candidato, para exercer um cargo tão importante como o de Presidente? É um homem afável e sorridente, mas isso não chega. É bom professor, também não chega. Chega o quê? Depois de Cavaco, nem tudo basta. Cavaco foi, certamente, o pior Presidente depois de Abril. Aliás, ele nunca demonstrou grande simpatia pela Revolução e quase sempre tripudiou sobre a Constituição da República. Como primeiro-ministro, foi o que se viu. E a afabilidade cúmplice que mostrou por Passos Coelho e os seus é sintomática do unilateralismo ideológico que o impulsiona. Marcelo provém dessa linha: o respeitinho é muito bonito; reverência a tudo o que vem da ordem e da formatura.

Que sabemos de Marcelo fora do que a televisão nos queira dar? As omissões chegam a ser afrontosas. Têm-no filmado a mexer em livros; a mergulhar nas águas do Tejo; a dizer que lhe chegam quatro horas de sono; a cultivar uma convivência estudada; a falar dos netos, pouco mais. Sabemos que foi amigo de peito de Paulo Portas; que chamou lélé-da-cuca a Francisco Balsemão; que apresentou um romance de José Saramago; que passa o Verão numa praia algarvia, onde vai toda a gente que deseja ser tomada como importante e fotografada na Caras.

É pouco?, é muito?, é suficiente? Nenhuma das qualificações justifica a apetência do homem pela Presidência. Dizem-me, agora, que teria prometido ao pai vir a ocupar Belém. Sendo assim, promessas são para cumprir. Mas ele não pode, em nome da consciência social, tapar as cartas a Salazar, recuperadas por Freire Antunes, tidas como devaneios juvenis, enquanto outros jovens, da mesma idade, eram presos e torturados por serem “do contra”. Ninguém está ligado ao seu passado, eu sei, mas se no episódio falo, é porque desejaria que nisso falasse como pedido, não de desculpas, mas de compreensão.

Nós sabemos como as estações de televisão, uma delas mais do que as outras, é certo, têm “puxado” por Marcelo, porém, essa tendência cobrará juros, mais cedo do que se pensa. Chegámos a um ponto crucial em que os portugueses têm de escolher entre a continuidade de um propósito ideológico e a caminhada para outro futuro.

O candidato da Direita afirma que o não é, e chegou a asseverar ser “a Esquerda da Direita”, numa daquelas embrulhadas de retórica em que é consumado. Devo dizer que nada tenho de pessoal contra ele, de quem, alias, tenho recebido demonstrações de estima. Isso não chega para o querer como Presidente.

O Marcelo que aparece, agora, nas televisões, nada tem a ver com o outro, o autêntico que julgamos conhecer. O carácter dúplice de Marcelo Rebelo de Sousa é uma característica que, de quando em vez, salta da máscara. Podemos eleger um indivíduo como ele para tudo, ou nem isso, nunca para Presidente da República. Bem o espero!

3 pensamentos sobre “O homem que as televisões criaram

  1. Nem mais, meu caro BB. E mais logo lá estaremos para impedir a eleição deste burguesote troca tintas.

    Um forte abraço e a minha solidariedade de sempre….

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