O menino Marcelo

(Henrique Raposo, in Expresso, 16/01/2016)

marcelo

(Nota Introdutória:

Mais uma vez publico um texto de Henrique Raposo, conhecido comentador da Direita. Que a Direita tem apenas um candidato geneticamente modificado, Marcelo Rebelo de Sousa já era sabido. Se Raposo conhece bem o pensamento intimo do seu público alvo, então ao que parece, e ele defende, é melhor que haja uma segunda volta nas Presidenciais do que uma vitória  do faquir Marcelo á primeira. A razão é esta: numa segunda volta as águas terão que se separar e a Direita irá apresentar a Marcelo a fatura dos compromissos programáticos e ideológicos que ele hoje denega (provavelmente por razões táticas), e acha que não tem que assinar para que possa ter o apoio pleno do eleitorado mais conservador. Marcelo deve achar piada a esta ameaça implícita. Conhece o pragmatismo da Direita melhor que ninguém. Por muito amargo que seja o xarope marca Marcelo, toda a Direita o vai tomar na íntegra. Ainda que muitos possam entrar, de seguida, em sucessivas convulsões estomacais. Estátua de Sal, 16/01/2016).


Marcelo Rebelo de Sousa está para a gravitas como Jorge Jesus está para a gramática. Apesar do cognome salazarento (“Professor”), Marcelo não tem o porte senatorial que é desejável num político. Ramalho é o militar austero. Soares é o alegado pai da pátria. Sampaio é uma espécie de roda suplente de Soares, o herdeiro da linhagem. Cavaco é o político de maior sucesso eleitoral e governativo do regime e cultivou a distância imperial, os tabus, o desprezo pela corte mediática. Marcelo não tem nada disto. Não é um político ganhador, nunca governou, não tem pedigree histórico de oposição ao Estado Novo, e passou as últimas décadas a transformar a política num anexo da stand-up comedy. Sim, as marcelices televisivas encostaram-no à leve figura do comediante e não à figura grave do político. Aos olhos dos portugueses, Marcelo está mais próximo de Herman do que de Soares ou Cavaco. Aliás, a sua campanha está a ser apalhaçada. Ele é a piada sobre agências funerárias. Ele é a discussão sobre os pés de Tino de Rãs. Ele é o vazio político quase cómico: como é que um político pode fazer carreira sem nunca defender ideias políticas?

Esta falta de gravitas não seria um problema num período de estabilidade política e de crescimento. Por exemplo, o perfil festivo de Marcelo teria sido ideal durante a euforia guterrista. O Ocidente dominava sem contestação, a Europa parecia o fim da história, a nossa III República tinha solidificado as convenções (aquelas que o farsante Costa jogou no lixo) e o dinheiro parecia nascer nos bolsos. Mas agora os tempos são outros. Lá fora, há uma sensação crescente de desagregação do projeto ocidental; cá dentro, há uma evidente crise institucional; este caos político é depois sublinhado por uma anemia económica sem remédio. Vivemos e continuaremos a viver tempos de ferro e fogo, tempos que exigem coragem naquilo que se diz e faz. Ora, Marcelo não foi forjado para isso, aliás, não esteve na forja. Marcelo não é ferro, é plasticina. É o cortesão que se molda a tudo. Quer ser o gajo porreiro quando os tempos não estão para porreirices.

O porreirismo de Marcelo será um problema em Belém, porque ninguém levará a sério um homem que é ontologicamente incapaz de acreditar seja no que for. De resto, já é consensual que Marcelo é o troca-tintas ou vira-casacas. Faz lembrar aquele menino que diz ao pai que é do Benfica e à mãe que é do Sporting e ao avô que é do Porto; é como aquela menina que diz à avó que acredita em Deus, embora na escola seja incapaz de resistir ao engraçadismo ateu, só porque sim, só porque é giro, só para evitar um confronto. É este o tipo de pessoa que queremos à frente do país numa altura tão complicada? Marcelo em Belém será mais um prego no caixão do regime, até porque será eleito com abstenção recorde. E agora só vejo uma forma de contermos os estragos: esta corrida presidencial não pode continuar a ser uma comédia que é em si mesmo um desrespeito pela democracia e pelos portugueses; ou seja, se é impossível derrotar o bobo da corte, não é impossível levá-lo à segunda volta. O menino Marcelo tem de sofrer um bocado, tem de encontrar um pingo de gravitas.

2 pensamentos sobre “O menino Marcelo

  1. Ver o meu comentário, sobre Marcelo Rebelo de Sousa, na minha própria página,após ter lido um comentário de Henrique Raposo,in Expresso, de 16 de Janeiro de2016.

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