Desgoverno de iniciativa presidencial

(Alexandre Abreu, in Expresso, 21/11/2015)

Autor

    Alexandre Abreu

Cavaco Silva está a dar tudo por tudo para que a golpada que prepara não pareça uma golpada.


A ideia segundo a qual Cavaco Silva é um “institucionalista” que se encontra acima da política partidária nunca teve sustentação real, mas nos últimos tempos caiu completamente por terra. Cavaco Silva, esse mérito lhe seja reconhecido, não faz e nunca fez outra coisa que não política pura e dura. E o contexto atual, pouco dado a neutralidades, pregou-lhe a partida de obrigá-lo a deixar cair a máscara de estadista suprapartidário com que gostaria de terminar a carreira.

As incoerências em que o Presidente tem incorrido roçam já o absurdo. No início de outubro, a urgência da sua deliberação era tal que exigia que faltasse às comemorações da República a que preside; agora, essa mesma urgência é tão pouca que permite que Cavaco Silva se dedique à cagarra e à banana enquanto o país aguarda uma clarificação da situação política. Há um mês, Cavaco Silva afirmava taxativamente que a última palavra cabia aos deputados da Assembleia da República; agora, faz o que pode para manter ligada às máquinas alguma solução de governo proveniente do seu quadrante político, em confronto aberto com a vontade do Parlamento.

Cavaco Silva está a dar tudo por tudo para que a golpada que quer promover — a manutenção em gestão do governo demitido ou a nomeação de um governo de iniciativa presidencial, ao arrepio do Parlamento e dos resultados das eleições — não pareça uma golpada.

Para tal, procura mobilizar argumentos, como os apoios das elites que tem chamado a Belém, e procura ganhar tempo, na esperança (para já infrutífera) de algum movimento dos “mercados” que possa aduzir em seu apoio. Mas é pouco — e ele sabe que é pouco. É seguramente pouco para poupá-lo ao opróbrio de uma saída de cena marcada pela política de fação, em confronto com as instituições democráticas.

Mas mais grave do que isso é que será o país a pagar o preço destas jogadas. Manter em funções um governo sem apoio parlamentar — seja o atual, já demitido, ou um governo supostamente “técnico” que o Presidente venha a nomear e o Parlamento a demitir — condenará o país a nove meses com um governo estritamente limitado nas suas competências, sem autoridade, em confronto permanente com a Assembleia e a gerir um orçamento por duodécimos. É, além de uma subversão da Constituição, uma solução de terra queimada, equivalente a quebrar o leme do navio para evitar que um capitão de quem não se gosta assuma o comando.

Se acontecer, os responsáveis serão a direita e o seu Presidente. Será um desgoverno de iniciativa presidencial.

3 pensamentos sobre “Desgoverno de iniciativa presidencial

  1. Completamente de acordo com a análise neste artigo!
    Reflexão pessoal:
    Houve um ministro da educação( o matemático) que fez cavalo de batalha(sem comparações equinas) fazer exames aos professores mesmo exercendo há longos anos!
    Então era capaz ser interessante reavaliar as capacidades de “alguém” no topo da vida política há muitos…muitos anos, apenas em 3 áreas, a saber:
    ECONOMIA € CIDADANIA € DEMOCRACIA.
    Já não digo que o resultado dos exames iimplicassem uma revisão dos valores das pensões!
    Desabafo!!!

  2. Não valia a pena andar a advinhar a lotaria, pricipalmenete com cautelas viciadas; bastava mais dois dias e ia confirmar o que Cavaco sempre foi: um não golpista; podemos olhar para a historia e não gostar deste ou daquele, mas que golpista e fala barato tivemos o pai da democracia, tanto como o 1º ministro ou presidente mas Cavaco?!!

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