A questão presidencial

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 23/10/2015)

Pacheco Pereira

          Pacheco Pereira

No meio da grande turbulência política que se vive, e a que não reajo com o desdém de quem acha que a democracia é só manter o que está – e neste caso, até agora, estou até em consonância com os “mercados”, o Deus ex machina dos dias de hoje –, é sempre arriscado escrever com antecedência. Vai-se saber, depois deste artigo estar entregue, o que vai fazer o Presidente e que Governo será apresentado à Assembleia e veremos os mil e um incidentes, alguns certamente instrutivos, que vão ocorrer.

A mudança, em qualquer caso, da vida política portuguesa será significativa. Quem me lê sabe que quando confrontado com os “cenários” do pós-eleições nestes últimos meses disse sempre a mesma coisa: o sistema político será desbloqueado e as possibilidades do dia 5 de Outubro não podem ser antecipadas no dia 3, porque o que muda não são só os figurantes, mas a ecologia da política. Pelos vistos o Presidente da República diz que seguiu a mesma orientação e por isso não está “surpreendido”. Vamos ver.

Um Presidente que pode vir a mandar
Seja qual for o “cenário” que aí vier, há a certeza de que a instabilidade da vida política no plano institucional e nas ruas (isso fica para outro artigo) será a regra. Daí que a função presidencial vá ser de enorme importância porque o próximo Presidente pode vir a mandar e ser como a Rainha de Inglaterra, a que erradamente se atribui ausência de poder e que o tem, enorme, em momentos de crise. As suas decisões, a começar pela mais importante, e que poderá ter de tomar quase à cabeça de ser eleito, incluem saber se vai ou não convocar novas eleições. E saber se o fará apesar de haver uma maioria no parlamento, ou seja, se dissolve um parlamento em que existe uma “maioria de esquerda” apoiando, não se sabe como nem até quando, um Governo PS-BE-PCP. Esta é a solução desejada pelo PSD e pelo CDS, e que tal se faça na melhor altura para tentar a maioria absoluta. Ou, então, se permite uma governação “de esquerda”, mesmo com o partido maioritário ou os restos da coligação que ganhou as eleições, na oposição. E se a permitir, há que saber que condições lhe colocará na governação, o que deixará “passar” sem dificuldades e aquilo em que irá usar todos os seus poderes para bloquear. Depois, saber, grosso modo, se um Presidente eleito à direita, será instrumento dessa mesma direita, ou se for à esquerda, vice-versa. Ter um “amigo” em Belém será crucial nos tempos de bipolarização e radicalização que se podem prever.

Um PS impotente
De um modo ou de outro, muita coisa vai dar à Presidência e é por isso que a desistência prática do PS de apoiar uma candidatura forte é um exemplo da situação de divisão no seu interior e de como ela se manifesta em termos de impotência política.

Desvalorizando as presidenciais através de uma decisão de não apoiar nenhum candidato da sua área, o PS comete um erro que vai pagar caro e dá uma imagem pública de um partido manietado pelas lutas de fracção internas. Mostrou uma enorme fragilidade e isso vai ter acrescidos custos, tanto mais que uma eleição de um Presidente de direita vai ser cobrada como uma derrota, não dos candidatos da área do PS, mas da actual liderança, se lá chegar.

O PS tem pelo menos três candidatos na sua área política: Henrique Neto, Sampaio da Nóvoa, e Maria de Belém. A candidatura de Henrique Neto foi despropositadamente atacada pelo PS, a de Sampaio da Nóvoa incentivada, com assunção de compromissos, e depois deixada cair, e a de Maria de Belém é um produto da luta de fracções interna incentivada pela coligação PSD-CDS. Quando falei de uma “mancha ética” na candidatura de Maria de Belém (como na de Marcelo Rebelo de Sousa) há sempre uns falsos inocentes que batem no peito pela “alucinação”, pela “loucura” e “senilidade” de dizer tal coisa (é interessante ver como dos lados da coligação se usam os argumentos soviéticos, que consideravam os dissidentes como loucos a internar em hospitais psiquiátricos…).

A candidatura que o PSD e o CDS patrocinam no PS

Mas se houver memória, e conhecimento da mecânica política, neste caso não sobram dúvidas de que os maiores elogios da proto-candidatura, e depois da candidatura de Maria de Belém, vieram dos lados do PAF. O patrocínio que fizeram e fazem, da candidatura de Maria de Belém, tinha e tem dois objectivos, atacar Costa e Sampaio da Nóvoa, tido como o candidato de Costa, e dividir o PS. A estratégia de incentivar as divisões no PS, apoiando os “seguristas” é tão evidente que, se não fosse a hipocrisia reinante, seria um elemento analítico sempre presente.

Mas a comunicação social faz de conta que não ouviu o discurso de Portas apelando directamente ao derrube de Costa e de uma Assunção Cristas, literalmente possessa, a pedir uma fronda no PS para evitar a “frente de esquerda”. E também parece que não se ouviram os elogios amplos e sonoros quando o nome de Maria de Belém começou a surgir, vindos de Marques Mendes, Marcelo (pudera, com candidaturas destas pode ele bem…), de vários articulistas da comunicação social mais agressiva da direita, a começar pelo Observador e pelo Sol. Vão votar em Maria de Belém? Não. Vão votar em Marcelo Rebelo de Sousa.

(A seguir vai-se falar das outras candidaturas, a começar pela do candidato do sistema político-mediático, Marcelo Rebelo de Sousa.)

2 pensamentos sobre “A questão presidencial

  1. Objectivo e assertivo, como lhe é timbre. Não é da minha área política, mas sem complexos dou-khe razão:
    …..”O PS tem pelo menos três candidatos na sua área política: Henrique Neto, Sampaio da Nóvoa, e Maria de Belém. A candidatura de Henrique Neto foi despropositadamente atacada pelo PS, a de Sampaio da Nóvoa incentivada, com assunção de compromissos, e depois deixada cair, e a de Maria de Belém é um produto da luta de fracções interna incentivada pela coligação PSD-CDS. “….

  2. Marcelo Rebelo de Sousa já ensaiou a descolagem em relação a Cavaco Silva. Se Cavaco fizer o que prometeu e deixar Passos a marinar em Gestão, Marcelo terá que assumir o que fará se for eleito (dissolve a AR ou dá posse a Costa lá para Março), o que não será uma bota fácil de descalçar, já que os 2,7 milhões de Portugueses que votaram antes de tudo contra Passos no dia 4 saberão que eleger Marcelo fará com que o primeiro ato relevante deste como PR será dissolver a AR. Por isso, Marcelo com certeza prefere que Costa seja empossado e depois tudo fará para arranjar um pretexto para dissolver a AR lá mais para o fim de 2016, no momento mais adequado. A melhor forma de garantir que a Esquerda tem uma chance de mostrar o que vale junta é eleger um Presidente de Esquerda e o único com perfil é mesmo Sampaio da Nóvoa… P.S. Anda aí um troll a ‘recolher assinaturas’ porque não quer Costa como PM. Que quer que lhe faça, eu não quero Passos e Portas, mas quem decide isso é a Maioria dos Deputados na AR…

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