Semper fi

(José Pacheco Pereira, in Revista Sábado, 09/10/2015)

Pacheco Pereira

            Pacheco Pereira

1. Quem pensa que desanimo, esmoreço, modero, suspendo aquilo que tenho dito e vou continuar a dizer, está bem enganado. Pode-se estar sozinho, mas ter a maioria – que não têm – não significa ter razão, que não têm de todo. Tenho para mim o motto dos marines americanos, semper fidelis, fiel aos portugueses que precisam de uma melhor política e de uma melhor representação em democracia, porque são mais pobres ou estão a empobrecer, podem menos ou porque são excluídos, ou mais velhos ou desempregados, aos portugueses que querem andar para a frente e não querem um País a andar para trás, e aqueles que gostam do seu País e não aceitam vê-lo cada dia mais desprovido de poder e dignidade. Semper fi.

2. E não me venham com o “desrespeito aos portugueses”, que uma coisa é ganhar eleições outra silenciar as críticas e a liberdade. Lembro aqueles que acham que não se pode criticar Passos nem Portas porque ganharam eleições, que Sócrates também ganhou eleições, e nem por isso deixou de merecer, direi mais, exigir, críticas. Nem disse que o povo era estúpido ao votar Sócrates, como não digo que o é quando vota Passos e Portas, mas aqueles que acham que criticar a PAF, agora que ganhou, é “passar um atestado de estupidez aos portugueses”, faço lembrar que os “portugueses” não são um sujeito que serve para umas coisas e outras não. Ou será que os “portugueses” que votaram em maioria no PS, mais BE, mais PCP também são “estúpidos”?

3. Contrariamente ao que hoje se repete de forma arrogante, não é verdade que toda a gente assumisse como favas contadas a derrota da coligação. No último programa da Quadratura com António Costa, foi exactamente isto que lhe disse. No prefácio para o livro de Bernardo Ferrão e Cristina Figueiredo sobre Costa escrevi o seguinte, que reafirmo de novo como interpretação do que correu mal com o PS:

“Daqui a poucas semanas, António Costa enfrenta o seu destino manifesto e não pode falhar. (…) O País precisa de gente zangada, indignada, furiosa com o estado em que Portugal está, com as malfeitorias que têm sido feitas aos portugueses, com o cinismo face aos desempregados, aos reformados, aos pensionistas, com a linguagem de divisão dos portugueses entre novos e velhos, com os velhos a ‘roubarem’ aos novos o seu futuro, com a apologia da lei da selva no trabalho, com o desprezo colateral e assistencial pela pobreza. São causas maiores e estes portugueses estão sozinhos e correm o risco de ficarem invisíveis. É com eles que se pode ganhar eleições a sério e, mais ainda, mudar o que é preciso. Se Costa passar ao seu lado, passa ao lado do destino que deseja.”

4. Foi o que aconteceu: Costa dirigiu a campanha do PS para um “centro” que não existe, e que é hoje um mito da análise, e que, se existisse, preferia o original, a PAF, à imitação, o PS. A coligação PAF não é do centro-direita, mas da direita, e o PS propôs no seu “programa dos economistas” uma variante do programa de “ajustamento”. Contrariamente ao argumento ad terrorem da coligação, o PS fez uma campanha à direita e perdeu exactamente por isso. Ou de onde é que pensam que vêm os votos no Bloco de Esquerda?

5. Vamos começar pelos números antes de serem filtrados pelo sistema eleitoral: 2.067.722 portugueses votaram PAF. Menos cerca de 300.000, 1.740.300 votaram PS, 549.153 votaram BE e 444.319 votaram na CDU. Mais portugueses votaram no PAF do que em qualquer partido singular nesta eleição. Mas quase 2.700.000 portugueses votaram contra o PAF. Pode subdividir-se esse número de muitas maneiras e feitios, mas há um ponto comum que é incontestável, o seu voto foi contra o PAF, contra o actual governo e contra o seu programa explícito e implícito. Numas eleições com algum grau de fractura, esta passou por aqui, ser-se a favor ou contra o Governo. E aqui a maioria foi contra.

6. Dito isto, a PAF ganhou as eleições e tem legitimidade para formar Governo. A ideia de que seria possível uma solução governativa à volta do PS agregando os deputados do BE e da CDU, além de ser muito implausível nas actuais circunstâncias, seria um erro político que daria de mão beijada uma maioria absoluta à coligação em qualquer futura eleição. Para os portugueses e para o bom senso, a PAF ganhou, o PS perdeu. Seria um erro impedir a PAF de formar Governo, como seria um outro erro deixá-lo governar como se nada se tivesse passado e continuasse a ter maioria absoluta.

7. Falemos de instabilidade. O discurso da “estabilidade” é uma variante do “não há alternativa”. Destina-se a matar a alternância política e é na sua essência antidemocrático. Tem a “instabilidade” custos a curto prazo? Tem. A “estabilidade” tem muitos outros a curto, médio e longo prazo. Pode ser que precisemos de alguma “instabilidade” para sair da crise.

8. A instabilidade está inscrita em todos os sistemas políticos e eleitorais dos países que passaram por processos de “ajustamento”. Não é conjuntural, é estrutural. Significa que os estragos do “ajustamento” não se verificaram apenas na economia e na sociedade, mas também na representação política. Fragilizaram os partidos do chamado “arco da governação”, secaram a alternância dos partidos socialistas face aos conservadores e a direita, moldaram -nos à mesma política “sem alternativa”, reforçaram os extremos, à direita e à esquerda, e varreram o centro político do mapa. Isto acontece com diferentes graus e diferentes velocidades, um pouco por todo o lado na Europa. Virou os trabalhistas ingleses para a esquerda, reforçou e depois matou o Syriza, reforçou a Aurora Dourada e a Frente Nacional, criou o Podemos, mas, acima de tudo, aumentou a abstenção (a grande mentira da noite eleitoral foi a “descida” da abstenção) e, ao subordinar a vontade do eleitorado a um poder transnacional que não é controlado democraticamente, a “Europa”, tornou o votar um acto que não é inteiramente livre. O facto de estes movimentos e processos ainda não terem tido, com excepção na Grécia, uma significativa expressão eleitoral que lhes permita “ganhar” eleições, não impede que as perturbações no sistema político não estejam já adquiridas e que não haja uma crise de representação profunda na Europa.

9. O PS é o elo fraco de qualquer oposição à PAF e ao que ela representa social e politicamente. Foi o PS que, perdendo as eleições como as perdeu, permitiu a vitória da PAF. O PS vai ser sujeito ao mesmo tipo de processo que a Europa fez aos gregos: vai ser humilhado e dobrado. Meter o PS no bolso é o grande objectivo da coligação, dos interesses económicos que a apoiam e do sistema mediático que a direita soube criar nos últimos anos, que tirou à esquerda a sua tradicional hegemonia nesses sectores. E esse “meter o PS no bolso” tem muitos aliados no PS, que vão começar a campanha pelo bloco central em nome da “governabilidade” nas presidenciais e nas lutas internas. É por isso que o PS ganhava, pela primeira vez desde o 25 de Abril, em conhecer um confronto entre as suas alas esquerda e direita.

(Continua no próximo sábado).


(Nota: Não subscrevo o JPP neste texto na sua totalidade, mas ainda assim, merece divulgação e reflexão. Estátua de Sal)

2 pensamentos sobre “Semper fi

  1. O JPP tem razão em três coisas importantes: 1 / Os Portugueses votaram em maioria na esquerda (PS+BE+CDU)
    2 / Chega de “estabilidade” = “Não há alternativa” , e 3 / Estou zangada sim e não sou a única e este pais tem que arrancar e ir para a frente, para as pessoas antes de tudo !!!!!

  2. Deixem governar Portugal com estes partidos .Metam para o lixo estes partidos que já governaram Portugal e que o arrastaram para a desgraça. Banda de corruptos. lixo com êles.

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