De medo em medo

(Daniel Oliveira, in Expresso, 26/09/2015)

         Daniel Oliveira

                     Daniel Oliveira

A comunicação social tende a sobrevalorizar a sua própria importância nas escolhas dos eleitores. É natural que assim seja. Todos gostamos de nos sentir importantes. Mas a verdade é que a maioria decide o seu voto com base na sua experiência pessoal: o desemprego, a perda de rendimentos, os filhos que emigraram, os apoios sociais perdidos. Ou nas expectativas que têm sobre o futuro. Aquilo a que normalmente chamamos de indecisos são, na realidade, uma minoria. Uma minoria que acaba, muitas vezes, na abstenção. Mas pode ser ela, geralmente menos informada, a decidir eleições. Muitas vezes, o que determina o resultado são os abstencionistas intermitentes. Por isso, a campanha serve sobretudo para desmoralizar ou moralizar o eleitorado de um determinado espaço político e que é potencialmente abstencionista.

Naquilo em que a comunicação social conta muito é na construção da narrativa dominante sobre uma campanha e no processo de dramatização de que ela própria depende para vender o seu peixe. E o que marca a narrativa dos media são sobretudo as sondagens — algumas delas, como a da RTP, são tracking polls com base nessa cada vez mais rara arqueologia que são os eleitores que usam telefone fixo. Mesmo depois dos monumentais falhanços no Reino Unido, na Grécia e nas eleições legislativas de 2011, em que um empate técnico era afinal uma diferença de 10%. Esta dramatização beneficia a bipolarização e trava, eleição após eleição, a renovação do sistema político. Sobretudo quando a comunicação social cumpre o papel de guardiã do que existe e, com a ajuda de sondagens inúteis na aferição dos votos potenciais em pequenas candidaturas, relega para a obscuridade o que é novo e tem reais possibilidades de mudar o panorama partidário. Como se viu nas europeias, com o MPT e o Livre, ou nas eleições regionais da Madeira, com o JPP, os jornalistas são incapazes de reagir à novidade antes dela se ter consumado. Chegam à notícia quando já não é notícia.

A bipolarização, forçada pela dramatização e pela ocultação do que é novo, reduz drasticamente a escolha dos eleitores. E, com isso, a sua própria exigência. Saltam de voto útil em voto útil até, por nunca terem votado em quem realmente os pudesse representar, passarem do voto útil para voto nenhum. Votaram em Sócrates porque tinham medo que Santana ganhasse. Votaram em Passos porque tinham medo que Sócrates ganhasse. O ambiente de medo, que chantageia os eleitores para não votarem em quem concordam ou confiam, penaliza sobretudo os que estão, porque são recentes ou porque não querem governar, fora da alternância: PCP, BE e Livre/Tempo de Avançar. Aliás, a crónica indisponibilidade dos dois primeiros para soluções de governo é uma das maiores aliadas do discurso do voto útil.

Mas este tempo de crise tem sido, como sabemos, repleto de surpresas políticas. A 4 de outubro veremos se a memória do que foi o PS a governar com rédea solta e do que foi a tragédia social dos últimos quatro anos pesa mais do que a dramatização de última hora. Como temos visto noutros países europeus, há um momento em que, para muita gente, se quebra a rotina. É nessa altura que os sistemas políticos mudam e com eles muda realmente alguma coisa.

4 pensamentos sobre “De medo em medo

  1. Daniel Oliveira acaba no último parágrafo a derrotar todo o argumento que procurou construir. Para que o voto seja útil à Esquerda, tem que contribuir para duas coisas: derrotar a Direita e gerar uma solução estável de Governo, que evite uma queda deste no espaço de um ou dois anos e acabe por significar um regresso da Direita ao poder. Ora, como no Passado, o PCP e o BE fizeram sempre finca-pé de não renegar a nenhum dos seus princípios para aprovar Orçamentos, os Governos minoritários do PS acabaram sempre a negociar com a Direita (Costa conta que foi capaz de negociar muito com o PCP enquanto foi Ministro de Guterres, menos a aprovação de um Orçamento). Como o Livre/Tempo de Avançar não parece estar a penetrar no Eleitorado do BE (quando muito estará a atrair alguns abstencionistas que se cansaram de votar no PS ou no BE), não se vê como um voto em qualquer destes três partidos (BE, PCP ou Livre) possa ser útil. Conclusão, resta votar no PS, mesmo que se discorde do seu Programa… É triste, é injusto, mas é verdade…

  2. Bem gostaria que houvesse surpresa nestas eleições, caro Daniel Oliveira, para quebrar a inevitabilidade da escolha tradicional: PS/PSD-CDS! Alguém me explica porque não se constituiu desta vez uma grande força unida à esquerda do PS !!! Uma força que abrangesse todos que estão presente hoje na lista dos partidos.
    Aí sim, haveria um “élan” para outra coisa… será que os egos cantam sempre mais alto ? Portanto é muito provável que venha eu a votar outra vez “útil”. Não quero correr o risco de ver triunfar os dois maretas da coligação.

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