AS LÁGRIMAS DE CROCODILO

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 05/09/2015)

Clara Ferreira Alves

                          Clara Ferreira Alves

Os migrantes que agora nos comovem em Budapeste são os que tiveram sorte, dinheiro e iniciativa para chegar aqui. Para trás ficaram os condenados à morte

E de repente toda a gente se comove. Em quatro anos de guerra, o sofrimento e as mortes na Síria, e no Iraque, não comoveram muitos jornalistas ou espectadores sentados por essa Europa fora. No último inverno, vi crianças ranhosas e friorentas, pés roxos e nus nas neves do Monte Líbano. Vi mulheres sírias e órfãos a prostituírem-se nas ruas de Beirute, vi a superpopulação dos campos de refugiados palestinianos, incapazes de acolherem mais um ser humano por falta de espaço. E vimos as imagens dos corpos despedaçados por barrel bombs, as fomes de Yarmouk, os ataques químicos. Não foi por falta de filmes online, colocados por combatentes, resistentes e sitiados sírios, que deixámos de ver no que a Síria se tornou. Ou o Iraque, onde todos os dias há mortos. O ISIS mobiliza-nos as atenções com a barbaridade do dia, que usa como instrumento de terror e propaganda, e cobre com esta cortina negra o resto do Médio Oriente. O Iraque está a desfazer-se. A Síria já se desfez. O Líbano está por um fio. A Jordânia aguenta-se com esforço. O Egito é um Estado falhado. E a Turquia aproveita para destruir os curdos. Em todos estes conflitos, para não falar do desastre da intervenção na Líbia ou no Iémen, a Europa comportou-se de um modo egoísta e indiferente. Pagou resgates e deixou aos americanos a tarefa de limpar os estábulos de Aúgias. Na verdade, se a invasão do Iraque em 2003 foi um trabalho americano, a Europa foi o parceiro da coligação. Sobretudo o entusiástico Tony Blair, originário de um país que recusa receber mais migrantes, refugiados ou todos os nomes que se vão inventar para os milhões de apátridas e desgraçados que trepam as muralhas e se rasgam nos arames farpados. O horror sírio, ou iraquiano, não motivou uma negociação de fundo, uma cimeira capital, uma mesa-redonda, um diálogo, um princípio. Os americanos decidiram bombardear o ISIS, a Europa não decidiu nada para variar.

De repente, a Alemanha é a campeã dos migrantes e refugiados. O cinismo pessimista tende a ver nestes pronunciamentos mais propaganda do que pragmatismo. A Alemanha sabe que a crise grega a fez ficar mal aos olhos do mundo e tem a oportunidade histórica, a sra. Merkel tem-na, de se reabilitar. E de forçar o resto dos europeus. A Alemanha tem a única liderança forte numa Europa fraca e tem a capacidade industrial para absorver mão de obra barata porque ainda precisa dela.

Há anos que criámos os novos campos de concentração, onde concentrámos os africanos, que vieram antes dos sírios e afegãos e iraquianos, e ninguém se comoveu. Os cadáveres nas praias de Tarifa, os condenados a morrer no deserto, recambiados, não provocaram uma lágrima. A crise destas migrações existe há anos e é preciso perceber que os migrantes que agora nos comovem em Budapeste são os que tiveram sorte, dinheiro e iniciativa para chegarem aqui. Para trás ficaram os condenados à morte, as vítimas de conflitos que ajudámos a provocar e das “primaveras” árabes que o jornalismo e as correntes sociais promoveram com sentimento. Ninguém se lembra de perguntar aos países ricos do Golfo, irmãos da mesma fé, quantos refugiados sírios receberam. O Qatar? Zero. Os Emirados, sobretudo os ricos Dubai e Abu Dhabi? Zero. A Arábia Saudita? Zero. O Kuwait? O Bahrain? Omã? Zero. E são estes sunitas que atiçam a guerra perante a nossa apatia. E por que razão a Europa e os Estados Unidos não os pressionam sabendo que manipulam a guerra para hegemonias e demonstrações regionais de força? Duas respostas. Venda de armas, um dos grandes negócios ocultos da recomposição dos mapas, e um negócio onde os estados legítimos, Reino Unido, França, Alemanha, Rússia, Alemanha, etc., têm fontes prodigiosas de financiamento. A Alemanha e os Estados Unidos bateram recordes de venda de armas no Golfo em 2014. E petróleo, a moeda de troca e o pão nosso de cada dia. Um dia, os drones que o Ocidente vende serão uma arma terrorista.

A situação do Médio Oriente é hoje a mais explosiva e volátil e com mais repercussões de sempre. Composta pela nova guerra fria com a Rússia de Putin. Os imparáveis fluxos migratórios vão forçar e reforçar partidos de extrema-direita, acender racismos, distorcer demografias, criar máfias, alimentar o extremismo e terrorismo islâmicos e as suas subculturas identitárias e criminais, mudar o mapa político da Europa e o espaço Schengen. Não vão apenas criar riqueza e contribuir para a economia europeia, como dizem os académicos. Uma integração séria custará biliões. É, de longe, o problema mais grave da Europa, acumulado com a anemia económica e com a condenação da população jovem a migrar dos países europeus em austeridade. Bater no coração e proclamar o amor ao próximo nada resolve na frente da batalha. É a retaguarda imoral da piedade virtual.

25 pensamentos sobre “AS LÁGRIMAS DE CROCODILO

    • Tem razão, tudo isto são consequências de todo o mal que se fez no passado e agora não há volta a dar! Enquanto no ocidente esbanja-se dinheiro em festas estúpidas, vaidades, e excessos de alimentos que se deitam fora, do outro lado há crianças que choram por uma migalha que seja. Todos fazem dinheiro na venda de armas e depois perdem-no quando as usam. O mal está feito, agora não sei como vamos sair dele!

  1. Para lá de toda a verdade – no essencial, concordo com a análise da autora, fica a pergunta: “E então, o que fazemos?… Não fazemos nada porque isso é estar a fazer o jogo da senhora Merkel?… Vamos continuar a fotografar as crianças mortas que bóiam até às praias da Europa? E depois também nós choramos lágrimas de crocodilo?…
    Já estamos a conseguir rebentar com as calculistas quotas dos vergonhosos governantes da União Europeia. Como diz o miúdo sírio, Kinan Masalmeh, agora temos de ser capazes de acabar com a guerra! E, se os governos da União Europeia e dos Estados Unidos quiserem a sério, cortam-se com as fontes que vendem o armamento e as bombas para as guerras!

  2. Tudo se resume ao negócio do armamento, talvez o negócio mais rentável de sempre. Perante a apatia dos médias, vão se criando guerras para prosperar o negócio de armas.
    Gostei do artigo de opinião.
    Cumprimentos.

  3. Estou bem de acordo com o vosso comentário , claro que sabemos que é uma manobra para distrair do que a Alemanha fez pela Grécia, a situação é horrível, e Angela não se vai reabilitar com esta tática. Vai arruinar a Europa e a começar pelo seu proprio pais, Viktor Orban é um herói por dizer a verdade. Este é um problema da Angela, ela é uma boa pessoa, mas as suas decisões políticas vão de mal a pior, um caso de uma carreira que termina mal.

    Stop calling them refugees,If they were genuine refugees as you

    and they are claiming they would be grateful to any country that took them in, fed and watered them, offered safety like Hungary has,

    not near rioting because they can’t go to the country of choice …

    these people are nothing but migrants using the civil war as a reason to invade Europe undercover of refugees pmsl.

    Let me tell you sth,”war refugees have to be registered and remain in the first European country they enter and not travel further to any other EU country until their case is pending.

    As war refugees they should be happy in the first safe EU country (Greece,Turkey Italy).

    If they are trying to get to any other country (Austria,Britain, Germany, Norway) they are not refugees but economic migrants

    and it’s a huge difference” According to the Dublin agreement.

    Humanitär?! Man kann es auch übertreiben. Wenn jemand wirklich vor dem Krieg flüchtet kommt er auch ohne jegliche soziale Hilfen – in jedes beliebige Land, weil es um Leben und Tot geht.

    Wenn man hier alles in den Allerwertesten geschoben bekommt – und exakt da liegt das Problem!!!! – und sogar Rentnern ihre großen Wohnungen weggenommen werden sollen, damit sich hier “Flüchtlinge” breit machen können, wo kommen wir denn da hin?!

    Dann sollen doch bitte Merkel und CO. dafür zahlen, wenn sie so eine soziale Ader haben aber die Leute die nicht für Smartphones, TV etc jeglicher “Flüchtlinge” aufkommen möchte raus halten.

    Wie wäre es denn einmal mit einem Volksentscheid?!

    In Russland sind Flüchtlinge übrigens ebenso willkommen… Und dort ist massig Platz- da will aber keiner hin, weil es keinen TV und keine Wohnung gibt….weil man da selbst was auf die Beine stellen muss!!!!!

    In Russland bekommt man nur das nötigste, dort gibt es kein Flüchtlings-Problem.

    Die kommen wie die Heuschrecken und wir können bezahlen ?!

    Mit welchem Recht nimmt sich der Staat das raus, unser Land so zu verkaufen und mit unserem Steuergeld so um sich zu werfen?!

    Meine Opas und Ur-Opas haben diesem Land gedient und würden sich allesamt im Grab herum drehen!

    Die tolle Regierung sollte vlt. mal in eine anständige Militärische Ausrüstung investieren

    und das Problem vor Ort angehen anstatt hier die Türen auf zu machen.

    Das Land ist zu klein und ich will nicht dafür bezahlen und andere genauso wenig.

    Das ist definitiv der falsche Weg!!!!!!

    • Ihr Opa oder Ur-Opa ist wahrscheinlich dienenderweise bis in die Normandie oder vor Stalingard getrottet. Ob das damals der richtige Weg war, wage ich zu bezweifeln. Es ist eine altbeliebte Methode, meine eigene Unzufriedenheit an anderen auszulassen, hat bei Adolf auch so funktioniert. Ich habe mal gelesen, dass die Geschichte sich nicht wiederholt. Lese ich aber Ihren Beitrag kommen mir da Zweifel. Hoffentlich irre ich mich

  4. As primeiras lágrimas de crocodilo são as tuas. Críticas te os “ditadores”, apoiantes as primaveras e agora vens aqui com dicas tipo banheira. A propósito, tens uns lugares em tua casa para receberes os migrantes angolanos quando fugirem da confusão que ajudas a atear com as intervenções no programa Eixo do Mal?

  5. Bem dito e escrito. Que mais dizer!!! Aguardar o que aí vem e já pensado e previsto. Não sabia, em rigor, como. Mas aí está e, de facto, aconteceu.

  6. Concordo inteiramente com o comentário de Fernando Pinto, sim, isto é uma guerra de poder, sim os países vizinhos não fazem nada, sim a Alemanha quer limpar a sua imagem, e então e nós o que fazemos? Fingimos que não os vemos!? Vamos fechar as nossas portas? Pela primeira vez na minha vida fiquei desiludida com a humanidade, eu que sempre acreditei na bondade e tolerância do ser humano. Como tal e para ensinar a minha filha os valores em que acredito, vou ajudar quem precisa, vou abrir as portas d minha casa. Pois só de imaginar o que aquelas pessoas tiveram d passar (a possibilidade de morrer a qualquer segundo) faz-me dar a mão a quem precisa. Hj eles amanhã puderei ser eu.

  7. Sim, poder ser até mesmo isso, mas entao e o que fez a senhora Clara Alves ? Chegou a ajudar alguma coisinha ? Antes ou depois ? Quanto dinheiro enviou para ajudar ?

  8. https://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%A3o_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados

    TALVEZ ENCONTRE AQUI UMA DAS RAZOES DO PORQUE DOS PAÍSES A SUL NÃO OS ACOLHEREM.
    Boa parte dos países árabes não assinou o tratado nem em 1951 nem em 1967 e como tal não estão obrigados a aceitar refugiados. O mesmo não acontece com portugal e outros países da Europa….nada como dares uma olhada no mapa para veres os que estão obrigados a aceitar refugiados na UE ou todos os refugiados e os que não estão….

  9. Não esperava mais da minha querida Clara, parabens pelo trabalho, uma fantástica e veridica análise que a todos compromete em meditação.

  10. Não é verdade que outros países não receberam refugiados. Libano, Arábia Saudita, Emiratos Árabes unidos, receberam Principalmente o Libano.
    Se considerarmos apenas os refugiados sírios, os cerca de 250 mil que até junho tinham batido às portas da Europa são apenas 2% do total de refugiados provocados pela guerra na Síria. Há cerca de quatro milhões de refugiados espalhados pelos países vizinhos (só o Líbano recebe 1,2 milhões, mais de um quarto da população do país), segundo o Alto Comissariado da ONU para os refugiados. Menos de 350 mil pediram asilo na Europa. O número constitui apenas 0,02% do total da população da Europa (cerca de 740 milhões).

  11. Grande critica… da xaxa, se queria mostrar que conhece o estado desses países, devfacto consegue-o, mas a critica a meu ver é uma total perca de tempo, su vou enomerar dois pontos. Se quer criticar comece por criticar quem realmente pos os desgraçados nessa situação, q são os seus governantes, ebm segundo a europa deve ter cara de bombeira, pqbé q as pessoas pensam que temos q ir logo a correr socorrer quem precisa, possa a mim e ninguém me socorre, quando preciso de alguma coisa, e si?

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