Preços da gasolina: expliquem-nos como se fôssemos muito burros

Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 26/08/2015

Pedro Santos Guerreiro

              Pedro Santos Guerreiro

A cotação do petróleo cai 50% num ano. O preço das gasolinas cai 4%. Como? A resposta mais ou menos mal disposta das gasolineiras é de que nós não percebemos porque somos muitos burros. Eu acho que percebo que há quem seja muito esperto.

Não tem a ver com populismo, tem a ver com contas. Os preços de venda ao público das gasolinas não variam diretamente em função da cotação do brent, o índice internacional mais importante do petróleo. Variam sim em função da evolução dos produtos refinados (e já agora, dos impostos), que por sua vez são vendidos pelas refinarias em função das cotações internacionais da gasolina e do gasóleo. Depois, já sabemos, há custos logísticos (armazenagem e transporte do combustível) e de comercialização (custos nos postos de venda). OK, está certo, compreendemos. Mesmo assim, continuamos a fazer contas.

E sim, OK, há dois factores muito relevantes no preço das gasolinas que atenuam muito a comparação possível entre preço da matéria prima e preço do produto final: os impostos cavalares e a evolução do câmbio dólar/euro.

Começando pelo câmbio. O petróleo é transacionado em dólares, as gasolinas em Portugal são vendidas em euros. Ora, nos últimos 12 meses, o euro valorizou-se mais de 13% face ao dólar. E isto significa que, se o barril de petróleo se desvalorizou 50% em dólares, só desvalorizou 42% em euros. Pronto, a queda da matéria prima não foi afinal assim tão grande para uma empresa portuguesa.

Mesmo que todos os impostos fossem valores fixos (o que não se aplica ao IVA), isso significa que, descontados os efeitos cambial e tributário, o gasóleo deveria ter caído 20% e o das gasolinas 17%. Caíram, em média, 4%.

Agora os impostos. Suportamos uma das cargas fiscais sobre os combustíveis mais elevadas da União Europeia. Como se viu na execução orçamental que ainda esta terça feira foi apresentada, a ganância estatal dá frutos. E como parte dos impostos que recaem sobre os combustíveis é fixa, a desvalorização do petróleo nada afeta essa parcela. Ora, no preço de um litro de gasóleo, 53% do preço são impostos; e no de gasolina, o peso fiscal sobe para 60%. Mesmo que todos os impostos fossem valores fixos (o que não se aplica ao IVA), isso significa que, descontados os efeitos cambial e tributário, o gasóleo deveria ter caído 20% e desceu 11%; e o das gasolinas deveria ter caído 17% mas desceu 4%.

A diferença entre estas proporções, que é maior na gasolina que no gasóleo, terá com certeza excelentes razões, incluindo os custos de armazenagem, transporte e comercialização – e ainda uma contribuição obrigatória para os biocombustíveis. Mas custa a crer que uma dessas razões não seja o aumento das margens com que os combustíveis estão a ser vendidos. O preço é livre, cada um vende ao preço que quer, a concorrência existe para resolver o jogo entre oferta e procura. E como a Autoridade da Concorrência está tranquila, é porque concorrência não falta. Falta talvez pelo menos explicar por que é que os preços do gasóleo e da gasolina não descem quando o petróleo embaratece à velocidade com que sobem quando o petróleo encarece. O aumento de margens é perfeitamente lícito, mas deve ser pelo menos revelado, para que não tomem por parvos aqueles que, no princípio e no fim, passam por burros.

16 pensamentos sobre “Preços da gasolina: expliquem-nos como se fôssemos muito burros

  1. Também faço parte daqueles que são muito burros, e que nao percebem as contas. Mas agora com a sua explicação fiquei a saber mais. muito mais, sobre o assunto. Obrigado pela sua explicação. Agora o que eu sei, um dito muito antigo que diz: gatuno uma vez, gatunos toda a vida. E nao há quem retirem esta canalha das cadeiras em que estão, roubando alarvamente o povo Português. Não há ninguem que tome medidas, ou liquide esta situação.

  2. Pode não ser relevante para o objectivo deste artigo, e não é realmente, mas, o EUR não se valorizou em relação ao USD, nos últimos 12 meses.
    27/08/14 EUR/USD = 1.3177
    26/08/15 EUR/USD = 1.1402
    O EUR, hoje vale menos 13.47%

    • Correcto, pois só assim faz sentido o raciocínio. Pois, se o euro se tivesse valorizado face ao dólar, o valor do petróleo deveria ainda ser menor…

  3. Caríssimo
    Pelas suas contas (certas) a gasolina ficaria igual ou até mais barata que o gasóleo. Lá teriam que acabar com a desculpa que o carro diesel é mais caro porque o combustível é mais barato aliás nunca ouvi outra explicação relacionada com o preço dos carros diesel até porque a nível de peças sempre foi de construção mais simples logo consequentemente mais barata (excepto no nosso querido país da Ângela Merkel onde as viaturas a gasolina ou gasóleo têm o mesmo preço e não há versões de preço intermédio só com 2 lugares com a designação de comercial).
    Aposto que o barril subisse agora para os 120, 140 USD como esteve há pouco tempo nas bombas rapidamente chegaria aos 2 euros é que não me admira nada. Curioso é a propaganda jornalística “combustíveis vão descer 1…2 cêntimos” qual avaria de circo se tratasse não falando na mesma noticia e com o mesmo entusiasmo o preço do barril, fazem dos outros burros e afinal também não passam disso de burros e vendidos pois se a informação é uma arma eles usam-na com o cano voltado para a cara.
    Lembro-me de em 2008 num noticiário e acho que era um administrador da Galp, dizer (quando começou a queda dos preços) que na bomba nunca se iria ver os combustíveis abaixo de 1 euro.

  4. …e se nao os tiram…é porque tambem ganham o quinhao deles e por isso nao lhes interessa tira-los….mas eu sou um mero burro…contas nunca foram o meu forte.

  5. Talvez se possa compreender pelo comentário do Secretário geral da Apetro, o Eng. António Comprido que disse, não há muito tempo, porque não haveria de ganhar dinheiro se o brent desce e a procura é ainda muita. Ou seja não têm necessariamente que descer os preços dos combustíveis, só porque as outras variáveis todas descem.

  6. Eu também sou burro porque quero fingir como tal. Mas a verdade é que é fácil aumentar a receita á custa dos impostos aplicados aos burros , mas para baixar a despesa pública é necessário ,como todos nós, que afinal não somos burros , diminuir a despesa do Estado ( Governo ) e não diminuir eficiência dos serviços públicos que são sempre pagos por nós) Até quando esta roubalheira, mentira e desgoverno?

  7. Falando de margens, acrescento apenas mais uma nota.
    Quando o preço dos combustíveis desce, geralmente essa “descida” versificada no preço via descida do preço da matéria prima, não é imediata ,pois o “stock” de produtos refinados, foi comprado a um preço superior. Logo , há que manter as mesmas margens, de modo que apenas quando entrar o “novo stock” é que se irão verificar as respectivas mudanças no preço (pois utilizam o critério FIFO). No entanto, quando o inverso acontece, o preço das matérias primas sobe, o reflexo no preço é imediato, mesmo tendo em conta que o “stock” saiu bem mais barato, criando assim um aumento das margens temporário, até que entre o “novo stock”, proporcionando dessa forma ganhos superiores ás gasolineiras.

  8. Quando escreve “Ora, nos últimos 12 meses, o euro valorizou-se mais de 13% face ao dólar.” ou a palavra correcta era “desvalorizou-se” ou tem de trocar o “euro” com o “dólar”: “Ora, nos últimos 12 meses, o dólar valorizou-se mais de 13% face ao euro.”

  9. Boa tarde,
    Se o valor do euro se apreciou face ao dólar em 13%, significa que cada 100 euros compram hoje 113 dólares de petróleo. Como o petróleo custa 50% do que custava em dólares, custa 44% do custava quando convertido em euros (50% x 100 / 113).
    O custo da matéria prima reduziu-se em 56% e o preço do combustível reduziu em 4%. Os restantes 52% são impostos, custos fixos e margem.

  10. Este artigo está todo inquinado do princípio ao fim.
    Logo no segundo parágrafo o autor esclarece “Os preços de venda ao público das gasolinas não variam diretamente em função da cotação do brent, o índice internacional mais importante do petróleo. Variam sim em função da evolução dos produtos refinados (e já agora, dos impostos), que por sua vez são vendidos pelas refinarias em função das cotações internacionais da gasolina e do gasóleo.”
    Mas depois apresenta as suas contas tomando como referência o preço do barril de brent e não a cotação dos produtos refinados.
    PSG faria melhor figura se tivesse feito o trabalho de casa…

    • O Artigo apenas publica o que todos constatamos diariamemte (independentemente do rigor dos numeros). Obrigado PSG pelo bom profissional que és, pena é a falta honestidade intelectual com que certas pessoas (alguns pagos para o efeito) tentam desvirtuar a noticia fazendo com que os menos informados permaneçam dúbios.

  11. A acrescentar a esta constatação é que quando os combustiveis começarem a aumentar a velocidade com que o fenómeno será repercutida nos preços vai ser a habitual ou seja instantânea ou antecipada e a base de cálculo passa a ser o preço actual já com as margens mais que premiadas, afinal não é roubo porque é legal o que levanta a questão de que burros não somos, ou pelo menos só por aceitarmos pagar estes preços de combustiveis, mas para além disso também aceitamos pagar salários a quem legisla sobre estes comportamentos e os legalisa sem filtro, esses é que não são burros e sabem bem a quem estão a servir.

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