De onde vem o dinheiro

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso, 22/08/2015)

Pedro Santos Guerreiro

               Pedro Santos Guerreiro

Às vezes dá vontade de rir. Lemos no “Observador” que a CMVM e o Banco de Portugal estão a investigar a origem do dinheiro que o empresário angolano Álvaro Sobrinho investiu no Sporting e dá vontade de rir. Porque nunca ninguém saberá de onde vem o dinheiro e toda a gente sabe de onde veio o dinheiro.

Rir. Sim, rir. Não porque a cena não seja grave mas pela aguda encenação. Quando vimos Álvaro Sobrinho na Comissão Parlamentar de Inquérito, lembra-se?, dizer sobre operações do descalabro do BES que “Angola foi sempre um bode expiatório”… E depois, quando o deputado Carlos Abreu Amorim elogiou Sobrinho… De rir às gargalhadas.

Como não rir quando se sabe que Álvaro Sobrinho está a construir uma casa em frente daquela onde Ricardo Salgado vive e a que hoje está confinado? Ricardo Salgado, o mesmo que disse que Sobrinho dera a volta a toda a gente em Angola… Ironias, sim, mas não do destino. E se lemos no “Correio da Manhã” que o empresário está a ser investigado por suspeitas de branqueamento de capitais, precisamente no caso BES, e que cinco apartamentos seus foram arrestados, podemos concluir que no BESA ele foi uma peça-chave?

A CMVM e o Banco de Portugal querem saber de onde vem o dinheiro que Álvaro Sobrinho investiu no Sporting. OK…

Claro que foi. O BESA podia ter sido uma “caixa negra”, carregada de informação sobre o desastre do BES. Mas foi antes um “buraco negro” de dinheiro ido, evadido, sumido. Houve uma frase de Álvaro Sobrinho na comissão parlamentar de inquérito que ficou pendurada até hoje no ar, como um mistério por resolver: a de que num volumoso empréstimo do BES a Angola, “o dinheiro não saiu de Portugal”. Para onde foi o dinheiro? Ou melhor: quem ficou com o dinheiro? Não sabemos. Mas Álvaro Sobrinho deve saber. E informação (ainda) é poder.

O que se passou no BESA foi gravíssimo. Há prejuízos depositados como lixo tóxico no BES “mau”. Neste momento, o BPI está a ser empurrado para vender a sua operação em Angola (mas a quem?…) porque o Banco Central Europeu não dá um milímetro de credibilidade aos bancos naquele país. Paga o justo BPI pelo pecador BES. Mas as ações da CMVM e do Banco de Portugal dificilmente encontrarão uma só gaveta aberta de onde possam tirar informações relevantes sobre este caso. De onde vem o dinheiro de Álvaro Sobrinho? Para onde foi o dinheiro do BESA? São perguntas que provavelmente nunca terão resposta. Porque o processo BES também foi construído e está a ser resolvido de modo a que muita informação fique enterrada no subsolo da finança. Houve dinheiro de Lisboa para Luanda para a Líbia para Miami para a Suíça para Luxemburgo para o Panamá para a Venezuela, numa sucessão de transações que dispersaram rastos e ocultaram rostos, esvaziando cofres e enchendo bolsos. De onde vem o dinheiro? É só rir.

Declaração de interesses: é irrelevante para a minha opinião mas é relevante para a transparência que o leitor saiba que, entre outros jornalistas, fui judicialmente processado por Álvaro Sobrinho, por causa de um artigo sobre os créditos de 5,7 mil milhões de dólares do BESA. Não escrevo por causa disso. Não deixo de escrever por causa disso.

4 pensamentos sobre “De onde vem o dinheiro

  1. não deixe de escrever, fazendo o que os jornalistas devem fazer: alertar os leitores para aspectos que lhes podem escapar. Este imbróglio precisava, provavelmente de cinco vezes mais procuradores dedicados; prresumo que o BES/GES seja um poço com muitos kilometros de fundo.

  2. Deixa ver se percebi: São todos uma cambada de gatunos, nao é isso???? Só que são gatunos com uma boa vida!!!! E que não convém serem apanhados, para nao darem com a língua nos dentes, certo??????

  3. Espero continuar a lê-lo e que a voz não lhe doa. Temos bons juízes, não podem ou não os deixam fazer o trabalho porque a corrupção é tanta que a única cura é o povo revoltar-se.

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