Para quem ainda não percebeu no que está metido

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 14/05/2015)

Pacheco Pereira

               Pacheco Pereira

Há uma parte da oposição a este Governo e à coligação que ainda não percebeu no que está metida. Nessa parte avulta o PS, que acha que isto é um filme para 6 anos, ou, vá lá, 12 e está num filme para adultos, ou como se dizia antes, “para adultos com sérias reservas”. Não, não é o Bambi, é o Exorcista ou o Saw.

Tenho um bom lugar de observação da linha da frente no combate político com a actual “situação”. Sei disso porque há muito tempo que conheço o vale -tudo, de artigos caluniosos a comentários encomendados em massa, até ao célebre cartaz anónimo. Tenho um processo instaurado pela “massa falida da Tecnoforma”. Não digo “tenho sido vítima”, porque não sou vítima coisa nenhuma, estou onde quero e faço o que entendo dever fazer. Se chovem paus e pedras, são para mim como elogios.

Mas vejo as coisas porque percebo do que, do lado da coligação, se é capaz de fazer quando se lhes toca nos interesses vitais, e estas eleições tocam em demasiadas coisas vitais para não serem travadas com todas as armas, e algumas são bem feias de se ver.

Agressivos de um lado, frouxos do outro
E vejo os exércitos juntarem-se, com armas e bagagens, muito ódio social, porque é um combate social e político que se vai travar e o ódio mobiliza as hostes, e muita agressividade. Do outro lado, salamaleques, um medo, pânico de falar de “mudança”, a quase total ausência de críticas ao Governo, o emaranhar-se em explicações e desculpas. Sempre na defensiva, sempre ao lado, sempre a perder.

Uma parte da oposição prefere objectivamente que tudo continue na mesma para manter o bastião da identidade, outra passa o tempo em actividades burocráticas e escolásticas, para o interior das suas contínuas divisões, enquanto o “maior partido da oposição” se entretém a mendigar “confiança” certamente porque não consegue lidar com os rabos de palha que vieram de 2011.

O caso do PS é parecido com aqueles generais franceses de luvas de pelica a almoçar foie gras e champanhe, bem longe da frente, num castelo qualquer, com todo o tempo do mundo, enquanto os seus poilus morriam que nem tordos, ou fugiam para a retaguarda misturando-se com os civis, dependendo de que guerra se tratava.

O modo como está o PS é devastador para toda a oposição, afecta as candidaturas presidenciais, permite o ascenso de candidaturas patrocinadas no seio do PS pela coligação, tem o duplo efeito de esmorecer e radicalizar, ambos processos de isolamento que abrem caminho para a assertividade e o espírito ofensivo da coligação.

A propaganda da coligação, assente num castelo de cartas que ruirá ao mais pequeno vento, como aliás o ex-amigo próximo, o FMI, diz, não é desmontada com clareza e frontalidade, porque os compromissos nacionais e europeus do PS são demasiados. A maioria muito expressiva dos portugueses que recusam este Governo, um dado sempre constante nas sondagens, não encontra no sistema político uma resposta. E, mesmo que existissem novos partidos que dessem corpo a esse descontentamento, a maioria dos partidos representados no parlamento, não quer competição e encarrega-se de os calar na comunicação social, com a colaboração da comunicação social.

Por seu lado, os portugueses que sofreram, sofrem e sofrerão a crise estão cada vez mais invisíveis. Não desapareceram, o seu sofrimento social aumenta com a passagem do tempo, mas não conseguem ultrapassar o ecrã do “sucesso” que 10 mil ministros e secretários de Estado fazem todos os dias. Com a cumplicidade acrítica de muitos que na comunicação social andaram a louvar as virtudes do “ajustamento” e por isso selam o seu destino também com o destino da coligação. O PS, por sua vez, como andou estes anos todos a fugir da contestação social, continua a preferir os salões.

Vale tudo
Um exemplo que eu gostaria de não dar, mas que deve ser dado porque é muito significativo. Quando o primeiro-ministro e a mulher foram a Cabo Verde, apareceram fotografias da esposa mostrando os efeitos da sua doença. Só faltava que tivesse que os esconder, tanto mais que se trata de alguém cuja dignidade como pessoa não é tocada por se mostrar tal como é e está, num mundo em que muitas mulheres atravessam idêntico sofrimento.

Mas houve quem achasse que tal “exibição” tinha intuitos eleitorais, humanizando o primeiro-ministro pelo sofrimento da sua família. Havia um precedente, que esse sim merece reparo, na pseudobiografia de Passos Coelho, mas apesar do precedente nada justificava o comentário fácil. A verdade é que apenas uma ou duas pessoas o fizeram, sem terem conseguido qualquer apoio, nem sequer nas célebres “redes sociais”, uma espécie de falso agora democrático no qual um pequeníssimo número de pessoas faz uma “opinião”, entre anónimos, nomes falsos e empregados de agências de comunicação.

Mas, apesar de se contarem por metade dos dedos de uma só mão, o número daqueles que criticaram as fotografias da mulher do primeiro -ministro no Correio da Manhã, e ninguém ser particularmente relevante no PS, na “esquerda”, ou na oposição, o que é interessante ver é o modo como essas opiniões foram transformadas num típico exemplo de como o PS, a “esquerda”, a oposição tratavam as mulheres que tinham cancro e feria o “gesto nobre” de não o esconder.

Ora, é para mim evidente que aqui é que está o aproveitamento político sem vergonha da doença da mulher do primeiro-ministro. Recenseei mais de 20 artigos furiosos e indignados, que, a pretexto de condenar as críticas às fotografias da doença, escreviam contra o PS, a “esquerda”, a oposição pelo desaforo. Percebia -se a léguas que a motivação não era qualquer defesa nobre da atitude da mulher do primeiro-ministro, ou sequer mostrar genuína indignação, mas usar o pretexto para atacar a oposição. Publicados online (onde a coligação está fortemente e ricamente instalada com meios abundantes) ou nos jornais, faziam um aproveitamento político e eleitoral despudorado, como se as frases infelizes não tivessem merecido de imediato o repúdio de muita gente que não gosta do Governo ou do primeiro-ministro.
Eles não brincam em serviço e vale tudo.

(Continua, porque a procissão ainda vai no adro.)

8 pensamentos sobre “Para quem ainda não percebeu no que está metido

  1. Sabia há muito, embora não me sentindo representada pela sua área política, que o Pacheco Pereira era um homem honrado além de culto e inteligente….

  2. Em relação ao “Vale Tudo”, tenho a dizer que que comentei no FB o que considerei um inequívoco aproveitamento por alguma imprensa (a do costume) do aparecimento da mulher de PPC, evidenciando a sua doença e, como tal, produzindo um efeito nas pessoas desde a comiseração até à identificação desse gesto a uma notável coragem. Pus até em dúvida se tal não seria previamente decidido com essa intenção e, assim, com efeitos eleitoralistas.. Caiu-me meio mundo em cima, alguns mesmo com insultos e esconjuras.
    Ontem a capa do CM publicou novamente uma foto do casal, agora em pleno gozo de férias na Manta Rota.
    A senhora novamente com ar feliz de quem tem orgulho em mostrar a sua doença com coragem e determinação, ao lado daquele também corajoso e determinado homem que a apoia e acompanha neste momentos tão difíceis.
    Só que, no dia anterior a TVI, também sempre muito compreensiva e competente no acompanhamento do PM em todas as circunstâncias, fez uma reportagem sobre estas suas férias na Manta Rota. Uma entrevista de circunstância, informal, em que o PM vestia o mesmo pólo que tinha na foto do CM do dia seguinte. A entrevista, feita no meio da rua com várias pessoas passando por trás do PM e este respondendo, sempre muito solicito e descontraído. Não é que no enquadramento feito antes das declarações do PM,, este e a sua mulher aparecem várias vezes misturados nos passantes e pasme-se, a senhora usava uma peruca. Tal seria perfeitamente normal e legítimo, mas quando foi para posar para o fotógrafo do CM, toca de tirar a peruca e apresentar-se mais uma vez com a coragem e determinação de quem quer ajudar o marido na caminhada para um segundo mandato.
    Faço este comentário porque estes factos vêm dar razão ao que eu e muito boa gente, pensou sobre esta exposição de uma doença que PPC disse mais que uma vez: «Dado que se trata de um assunto privado, que apenas diz respeito à minha família, peço também que essa reserva de privacidade continue a ser respeitada»….
    Parece que vale mesmo tudo.

    • LAMENTO PROFUNDAMENTE QUE A ESPOSA DO SNR. 1º MINISTRO SE ENCONTRE COM ESTA, OU MESMO OUTRA QUALQUER DOENÇA, MAS NESTE CASO É MAIS GRAVE. TENHO FAMILIAR COM MESMA DOENÇA E TENHO SENTIDO MUITA DOR. –NÃO QUERIA DEIXAR DE COMENTAR A FALTA DE HUMANIDADE DE ALGUNS COMENTADORES, OU MESMO DE PESSOAS NORMAIS ,COMO EU, QUE SE ATREVEM A PÔR EM CAUSA ESTA SITUAÇÃO. ( DECERTO QUE DE SERES HUMANOS NADA TEEM) –QUERIA APENAS DESEJAR QUE PASSE RÀPIDAMENTE ESSA DOR À FAMÍLIA DO SNR. 1ª MINISTRO E MELHORAS POSITIVAS PARA A ESPOSA.
      m.CUMPRIMENTOS
      Armindo Rodrigues

    • Ora pois, é que a “estes” não se pode tocar nem com uma flor… até porque os vasos esses são precisos para atirar a uns “certos outros”!…

  3. António Costa precisa, antes desta campanha terminar, de cortar definitivamente com Sócrates. E para isso, tem que explicar que há três planos no caso de José Sócrates que importa considerar: o político, o ético e o jurídico. Ora, politicamente, José Sócrates foi julgado em 2011, e Costa tem feito um esforço por cortar com o passado e proceder à renovação do pessoal político dentro do PS. O que está em causa nestas eleições é o julgamento do Desgoverno presente e da proposta alternativa do PS, liderada por Costa. Em termos jurídicos, Sócrates tem direito à presunção de inocência e o seu direito a um processo justo tem sido gravemente lesado pelas sucessivas violações do segredo de Justiça. Se Sócrates for acusado, o que o Tribunal irá decidir não é se foi um PM incompetente, ou se é bom ou mau carácter, e sim (e só, porque de outro modo o processo seria político) se cometeu os crimes pelos quais for eventualmente acusado. Finalmente, no plano ético, Sócrates já admitiu que recebeu um empréstimo de Carlos Alberto Silva. Isso em si não é nenhum crime. Se Sócrates fosse um político no activo, isso poderia acabar com a sua carreira, como acabou com a carreira do antigo Presidente Alemão Christian Wulff. O problema é que Silva não é um amigo qualquer, mas alguém que enriqueceu fazendo negócios com o Estado quando Sócrates estava no activo. Ora, Sócrates, como antigo PM e antigo SG do PS deveria ter-se comportado como a Mulher de César, devia isso ao Partido. Depois, e o que é mais grave, Silva enriqueceu deixando atrás de si um rasto de empresas falidas, como o Público documentou. Para quem, como Sócrates, atacava os Mercados Gananciosos, convenhamos que não é propriamente muito coerente ir pedir dinheiro a Carlos Alberto Silva. Ou seja, Sócrates, mesmo se não for culpado de nada, foi ainda assim imprudente, arrogante e hipócrita. Há ainda alguém no PS que ache que este deve algo a Sócrates?

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