A banca é um problema sério

(Nicolau Santos in Expresso, 15/08(2015)

Nicolau Santos

      Nicolau Santos

Os últimos 40 anos demonstram que 1) estiveram à frente de alguns bancos portugueses pessoas que nunca deveriam ter obtido essa autorização; 2) que algumas dessas pessoas não eram só incompetentes, eram desonestas; 3) que algumas, com os seus atos, levaram à falência os bancos que dirigiam; 4) com isso incineraram as poupanças de milhões de clientes; 5) mais, criaram nos cidadãos a ideia de que os banqueiros não são pessoas sérias e que o seu dinheiro não está seguro quando lho entregam; 6) o Banco de Portugal foi quase sempre incapaz de antecipar esses atos dolosos ou, quando foi, mesmo assim não conseguiu evitar a derrocada das instituições.

Em meados dos anos 80, a Caixa Económica Açoriana e a Caixa Económica Faialense foram à falência, devido a práticas dolosas de membros das suas administrações. Nos dois casos, muitos emigrantes açorianos a viver nos Estados Unidos perderam as suas poupanças. Na primeira década do século XXI foi a vez do BPN, o maior escândalo financeiro desde o tempo de Alves dos Reis, em que o presidente da instituição (Oliveira Costa) montou uma contabilidade paralela num banco situado em Cabo Verde, vendeu e comprou ações para favorecer amigos da área do PSD, concedeu créditos sem nenhumas garantias, financiou negócios escuros e sem qualquer viabilidade. Seguiu-se o Banco Privado Português, liderado por João Rendeiro, cujo funcionamento assentava em produtos de elevado risco que muitos clientes terão percebido como aplicações de rendimento garantido. Quando os mercados colapsaram a partir de 2008, Rendeiro foi à televisão dizer que precisava de 750 milhões de euros para salvar o banco. Não lhos deram e o banco encerrou.

O que está em causa é o laço de confiança que se quebrou dos clientes no sistema bancário e na supervisão. E esse é um valor que vai demorar muitos anos a recuperar.

Agora, na segunda década do século XXI, foi o caso do BES, o mais surpreendente de todos, por o seu presidente, Ricardo Salgado, ser reconhecidamente um homem poderoso no país. Não lhe valeu de nada. Sem o apoio político do Governo ou do Banco de Portugal, Salgado viu implodir o grupo e o banco, lesando perto de 8000 emigrantes que tinham aplicações de €727 milhões e mais cerca de 2500 clientes que tinham investido 530 milhões de euros em papel comercial da ESI e Rioforte. Pelo meio, assistimos ainda à luta fratricida pelo controlo do BCP, que terminou com uma enorme desvalorização do banco; à ‘nacionalização’ do Banif e à turbulência no Montepio; e ao ‘raspanete’ que o primeiro-ministro deu à administração da Caixa.

Os casos relatados e a implosão do império Espírito Santo conduziram à quebra de um elo fundamental para o sucesso do setor bancário: a confiança dos clientes. Não contem com muito dinheiro dos emigrantes nos próximos anos. Além disso, o sistema financeiro português não está estabilizado. Há bancos que vão ter de aumentar capital, outros que estão muito dependentes dos mercados externos. E continua a haver um elefante na sala: há um processo de consolidação que vai ocorrer. A prova é que BPI e BCP já vão na terceira tentativa de casamento, depois de ter havido uma entre BPI e BES. Por isso, um dia vai mesmo acontecer. Só não se sabe é quando. Mas é melhor que seja mais cedo que tarde, porque quanto mais tarde menores serão os efeitos positivos.


Euro: a ver se nos entendemos

O meu artigo “Este euro que nos mata lentamente” foi interpretado como sendo uma defesa da saída de Portugal da moeda única. Errado. O que disse é que com as atuais regras de funcionamento da Eurolândia países como Portugal vão inevitavelmente declinar económica e socialmente e tentarão compensar esse declínio reduzindo as funções do Estado social, cortando no investimento público e embaratecendo mais e mais os custos do trabalho através da precarização dos laços laborais. Pode haver remédio para isto? Pode. Mas do lado da Europa não se vê que haja disponibilidade para aceitar as transferências intracomunitárias para fazer face a choques assimétricos, nem uma união bancária que impeça as PME nacionais de pagar o triplo de juros de uma empresa alemã. O que está nas nossas mãos é tomar decisões, ao nível da competitividade fiscal e noutras áreas, para atrair capital estrangeiro. Mas até agora nenhum Governo ousou promover esse choque fiscal. E, sem mudanças, vamos voltar a um modelo assente em mão de obra barata, tão barata que um dia nos convidarão a sair do clube por sermos demasiado pobres para lá estar.


O fisco e o computador

Sabe quem é a presidente da Autoridade Tributária? Esqueça. Não interessa. Quem manda no fisco é o sistema informático da dita Autoridade. Se o Estado lhe deve devolver parte do que pagou a mais em IRS mas descobre que você tem uma prestação de IMI atrasada, deduz logo a dívida em causa, mas não toda. Deixa €3,90 por pagar. Porquê? Inexplicável. E a seguir coloca-lhe um processo visando o arresto de bens por dívidas fiscais. Noutro caso, se você tem um diferendo fiscal, interpõe uma ação, apresenta a caução e pensa que pode esperar pelos tribunais, engana-se. Começa a receber e-mails e cartas a dizer que tem dívidas fiscais e a recomendar-lhe que pague, se não será penhorado e vai para a “lista de devedores tributários”. Em desespero, você vai à sua repartição das Finanças, reclama, conta a história pela enésima vez e a resposta é sempre a mesma: “É o sistema informático”. Conclusão: a AT não precisa de um presidente mas de um programador de sistemas.


O gin-tónico

pode ser também um bar de Lisboa

mesmo ao pé do mar

A luz do sol

chegava duma praça liberal

estendia-se pelo chão

resplendente

inundava as mesas

O velho conta histórias de espiões

com certa nostalgia

Acerca disso

li algures um texto interessante

e gostei muito

acerca disso e das prostitutas do Cais do Sodré

O silêncio

comeu

vagarosamente

a alma deste porto

e dos outros portos do mundo

Ele paira

sobre as docas e os mares

como a pesada mão dum deus ameaçador

e brutal

Procuramos a noite

como todos os marinheiros

na certeza de que a terra é o melhor sítio aonde chegar

enquanto prosseguem as viagens interplanetárias

sem que se vislumbre a Ilha dos Amores

nem Calecute nem nada

Houve um que disse:

“Vou-me embora pra Pasárgada”

Eu não vou

O Tejo continua a ser o grande rio.

O navio andava sobre os campos

Nessa tarde ensolarada

mesmo abrasadora

tivemos uvas e ameixas

recordámos algumas tradições

e depois falámos de mulheres

O mar adormecera com tanto calor

e o azul dominava todas as cores

O mergulho

a conversa depois da praia

aquelas tipas nuas mesmo à nossa frente

Durante o dia

esplendoroso

foi o cheiro de muitos violoncelos

O silêncio era quente

como as nossas mãos

e as palavras

— O navio andava sobre os campos

Eternamente

(Mário Machado Fraião, “Enquanto o mar se demora”, n ‘As ruas demoradas’, “Sete anos de poesia”, Sol/Poesia, 1989)

3 pensamentos sobre “A banca é um problema sério

  1. Muito bem. E o mais estranho é que o V:Constancio recebeu um prémio chorudo e de destaque no BCE, pela grande banhada que ajudou a dar, no sistema disfuncional bancario.

    • Por uma vez concordamos. Mas faltou-lhe dizer que Carlos Costa deu uma banhada ainda maior e foi reconduzido no cargo. Ou muito me engano, ou vai acabar a carreira como vice-presidente do BCE, ocupando o lugar do seu predecessor no BP…

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