Os espoliados do sistema bancário

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 10/08/2015)

Nicolau Santos

     Nicolau Santos

O sistema bancário vive de uma palavra: confiança. Quando os clientes entregam o seu dinheiro a uma instituição financeira confia-se na integridade, seriedade e competência dessa instituição. Infelizmente, se medirmos por essa bitola o nosso sistema financeiro, então tem havido muitas maçãs podres no cesto.

O leitor talvez já não se recorde mas em meados dos anos 80 verificou-se a falência fraudulenta, com práticas dolosas dos respetivos gestores, da Caixa Económica Açoriana e da Caixa Económica Faialense. Nos dois casos, muitos emigrantes açorianos a viver nos Estados Unidos perderam grande parte das suas poupanças.

Na primeira década do séc. XXI foi a vez de termos um verdadeiro caso de polícia, consubstanciado num esquema fraudulento de contabilidade paralela, o Banco Português de Negócios, presidido por Oliveira e Costa, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ex-financeiro do PSD e ex-presidente do BERD. Neste caso terão sido sobretudo alguns acionistas a ficar lesados, mas foram muito mais os que beneficiaram da atividade creditícia do banco sem a contrapartida de garantias ou da compra e revenda das ações da instituição, por decisão arbitrária de Oliveira e Costa. A fatura ficou para os contribuintes, que estão a pagar qualquer coisa como 4 mil milhões de euros.

Seguiu-se o Banco Privado Português, liderado por João Rendeiro, cujo funcionamento assentava em aplicações de elevado risco que muitos clientes terão percebido (ou ter-lhes-ão dado a entender isso) como aplicações de rendimento garantido. De repente, na sequência da falência do Lehmann Brothers e da crise financeira mundial que despoletou, os mercados de capitais colapsaram em todo o mundo e Rendeiro foi à televisão dizer que precisava de 750 milhões de euros para salvar o banco – dando razão à frase de Warren Buffet, «quando a maré baixa é que se vê quem está sem calções». Não os tinha nem lhos deram, foi afastado da direção da instituição e houve muitos e fartos lesados e muitos e longos processos – de que Rendeiro tem sido absolvido.

Agora, na segunda década do séc. XXI, foi o caso do BES, o mais surpreendente de todos, por estar ligado a uma família com longas tradições no sistema financeiro nacional e internacional e por o seu presidente, Ricardo Salgado, ser reconhecidamente um homem poderoso no país. Não lhe valeu de nada. Sem o apoio politico do Governo, sem o apoio do Banco de Portugal, que foi pressionado por Frankfurt, primeiro Salgado foi afastado da presidência do BES, depois não conseguiu impor o seu sucessor e finalmente viu implodir o grupo e a instituição com o nome Espírito Santo, estando agora confrontado com diversos processos judiciais.

Pelo meio, milhares de pessoas que investiram no aumento de capital do BES ou que aplicaram o seu dinheiro em papel comercial do GES perderam tudo. São estes últimos que se manifestaram hoje em Lisboa, perante um cordão policial que cercou o Novo Banco, ex-BES. São eles as vítimas a que ninguém quer acorrer (com uma exceção). O Governo empurra para o Banco de Portugal. O Banco de Portugal escuda-se em inúmeros pareceres jurídicos para dizer que o Novo Banco não tem qualquer responsabilidade para com estas pessoas. O BCE não quer ouvir falar do assunto. E só a CMVM tem procurado encontrar soluções porque considera que os lesados devem ser indemnizados. Mas isso não querem o Governo e Banco de Portugal, porque seria passar um encargo que pode ir de 440 milhões a 750 milhões para o Novo Banco, o que desvalorizaria muito o preço que os candidatos à compra da instituição estão a oferecer. E se isso acontecesse, o défice a suportar pelo Fundo de Resolução seria muito maior do que vai ser. E teria um impacto ainda maior nas contas da CGD. E também um impacto nas contas públicas – nada recomendável em véspera de eleições.

Por isso, há quem de São Bento e da Rua da Conceição olhe para estes protestos e diga provavelmente, de forma sibilina: que se lixem os lesados do BES! Não deveria ser assim. Uma das vítimas brutais da crise que assolou o mundo desde 2008 foi a confiança dos clientes em todo o mundo no sistema financeiro. De repente, ficou claro que a cupidez dos banqueiros os levava a utilizar todos os meios para fazer crescer ainda mais os seus astronómicos prémios, passando todas as linhas vermelhas de segurança.

Fernando Ulrich, presidente do BPI, insiste que nem todos os bancos nem todos os banqueiros são iguais e tem toda a razão. Mas quando o sistema assenta nas qualidades das pessoas e não em sistemas muito exigentes de controlo e salvaguarda das instituições, mal vai o sistema.

Não indemnizar os lesados do GES/BES convém ao Governo e ao Banco de Portugal, mas é um erro dramático. Há milhares ou mesmo milhões de emigrantes que vão hesitar cada vez mais em colocar as suas poupanças em bancos portugueses ou mesmo em enviá-las para o país, porque a confiança se esvaiu. E esse é um valor que vai demorar muitos anos a recuperar.

3 pensamentos sobre “Os espoliados do sistema bancário

  1. Foi verdadeiramente escandaloso ver jornalistas da nossa praça (incluindo no Expresso) a tratarem os lesados do papel comercial do GES como gananciosos. O mesmo se pode dizer dos pequenos acionistas do BES. O BES não era nenhuma Dona Branca, funcionava com o aval e a fiscalização do Banco de Portugal, que ate exigiu (mas não garantiu!) um aumento de capital, com o PR a tranquilizar as pessoas nas televisões. O BP dormiu em serviço, sem aprender nada com o BPN, e Carlos Costa viu-se reconduzido na Instituição por Passos Coelho, mesmo depois do Inquérito Parlamentar. Ha que recompensar quem aguenta com as criticas, pois claro. O BES e um exemplo egrégio de como a Direita Portuguesa se converteu completamente a Ideologia de Respeito por apenas uma coisa, as relações de forca. O Estado e forte com os fracos e fraco com os fortes!

  2. Vendo as coisas pelo meu lado(nunca investi no BES, nem comprei nada ao GES), ficarei muito zangado, se em vez de irem chatear e porcessar o DDT e seita conexa, me venham pedir a mim, que pague as ideias de lucro melhorado, que os tarolos em má hora fizeram. Percebo o desanimo, acreditaram em lucros acima do mercado e levaram uma banhada; mas é de pouca moral, virem exigir a quem nunca teve a ver com os aldrabões que os enganaram que lhes resolvam os problemas; deixaram de acreditar no sistema capitalista? deixaram de acrediatra nos tribunais? não sabem quem foram os aldrabões? então porque se empenham em provar que sou eu (contribuinte) que devo responder pelas v. aventuras monetárias?

    • O meu caro fala como se o negócio tivesse ocorrido directamente entre os ‘aldrabões’ e as pessoas. Não foi. Foi entre as pessoas e uma Instituição Bancária, entidade supervisionada pelo BP, que por acaso estava farto de saber que as coisas corriam mal e nada fez. O risco que as pessoas assumiram não era o real, que era muito mais elevado (na verdade, era um Esquema Piramidal). O Estado empenhou a sua palavra (com o Alto Patrocínio de Sua Exª, o Senhor Presidente da República) e agora o meu caro diz-me, olha azar, não tivesses sido otário em acreditar nas Instituições. Por acaso falha o alvo, porque nunca investi um cêntimo no BES, mas tenho pena de quem o fez. Quanto à minha suposta pouca moral, espero sinceramente que nunca seja vítima da sua moral egoísta… Mas se for, não terei pena…

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