O lobo com pele de cordeiro

(Estátua de Sal, 29/07/2015)

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Assisti ao discurso de Passos Coelho na apresentação do programa eleitoral da coligação PAF.
E fiquei abismado. É uma falta de vergonha atroz. Devia ser crime vir ao espaço público, mentir, dar o dito por não dito, reescrever a História. Nunca vi, em quarenta anos de democracia, alguém que de forma tão soez e leviana consiga denegar todas as práticas que empreendeu durante quatro anos.
Diz ele que resolveu o passado. E resolveu bem: mais pobres, mais desemprego, mais miséria, mais benefícios para os poderosos. O desavergonhado vem agora dizer que vai combater a pobreza. O desavergonhado que criou a pobreza com as suas politicas e agora vem dizer que o seu programa é combater a pobreza. Como podia ele combater a pobreza se não existissem pobres? Foi o que fez durante quatro anos. E agora, em vez de falar em acabar com a pobreza, promovendo empregos decentes e dignos, a sua solução é promover o assistencialismo e a caridadezinha.
Diz ele que agora é que vai preocupar-se com a natalidade e a sustentabilidade da renovação de gerações, que está ameaçada. Então não foi ele que mandou os jovens emigrar? Não foi ele que criou as leis laborais que promovem a precaridade? Como podem, pois, os jovens almejar a uma paternidade responsável? Mais uma vez ele diz que agora é que vai combater mais este flagelo que ele próprio criou.
Diz ele que vai aumentar a liberdade de escolha dos portugueses quer na educação e noutros domínios, e melhorar a qualidade do ensino. Mas não foi ele que fechou escolas, despediu professores, retirou financiamento às universidades e à investigação? Mais uma vez, digo eu, se não o tivesse feito como poderia agora vir prometer remar contra esses mesmos flagelos?
Para que querem os portugueses maior liberdade de escolha se não tem rendimentos que lhes permitam sequer escolher entre o mau e o sofrível? Se foi ele que destruiu a procura interna, promovendo falências de empresas em catadupa, desemprego e emigração em massa, como pode agora vir prometer que vai aumentar a liberdade de escolha se a única escolha, para muitos é a “sopa dos pobres” ou a emigração para os mais qualificados?
Diz ele que vai lutar para diminuir a desigualdade. Que grande anedota. Então não foi durante estes quatro anos que o número de pobres e pessoas a viver no limiar da pobreza atingiu números nunca vistos, enquanto que o número de milionários atingiu o auge?
Diz ele que agora é que vai “reformar o Estado”. Quer menos Estado. Mas querer menos Estado o que é, para ele? É privatizar serviços públicos e vender as empresas ao desbarato. É a educação, é a saúde, é a própria assistência social que ele tem entregue de forma massiva às misericórdias, para quem tem transferido milhões. Não contente,  prepara-se até para privatizar a água! Tivemos hoje, aliás, um exemplo do que ele entende por reforma do Estado: parece que vai pôr os funcionários públicos a andar de bicicleta e criar-lhes balneários para tomar banho! Se a vida das pessoas não fosse um assunto sério, diria que estamos entregues a uma corja de alucinados e este tipo de propostas só mereceriam um coro de gargalhadas sonoras pelo seu caráter ridículo.
Depois, outra falácia: não existiu crise internacional em 2011, já que as dificuldades de financiamento que existiram e que implicaram o resgate da troika, foram só, diz ele, devidas às políticas do anterior Governo. E que agora, as facilidades de financiamento a Portugal, são devidas à ação do seu Governo. Mas como pode alguém dizer isto, com honestidade, se o rating da República, continua ao nível do “lixo”, e se sabe que o BCE tem injetado milhões de euros nos mercados financeiros, causando uma baixa histórica das taxas de juro?
Não nos espantemos, honestidade, é virtude que não se lhe conhece.
Passos Coelho continua a mentir, e o programa eleitoral que apresentou é um conjunto de promessas piedosas para combater os flagelos que ele próprio infligiu ao País. Promessas, que agora vem fazer, ele que disse, em tempos, “que se lixem as eleições”.

Sobre o desemprego, que disparou, nada disse.
Sobre as soluções para o desemprego, que o FMI diz que só daqui a 20 estará nos níveis de 2007, nada disse. Sobre a dívida que atingiu um nível inaudito, 130% do PIB, nada disse. Sobre a sustentabilidade da mesma, nada disse.

E tendo o País atingido estes números miseráveis durante a sua governação é, no mínimo, falta de pudor e um atentado à inteligência dos eleitores, vir pedir-lhes (diz ele que humildemente) que lhe permitam continuar a governar durante mais quatro anos.

Humilde ele nunca foi. Sincero ele nunca foi. Sério nas propostas é o que ele nunca foi. Humanidade nas suas escolhas foi o que ele nunca teve. E se agora tenta passar por humilde e sério, é porque, tal como lobo tenta vestir a pele de cordeiro para mais uma vez esmagar os mais desprotegidos e os mais vulneráveis, sugando-lhes o sangue o suor e as lágrimas. Porque cordeiro é o que ele nunca foi.

5 pensamentos sobre “O lobo com pele de cordeiro

    • Acrescente à porra a dívida, impostos, a emigração que fez reduzir o desemprego, as prestações sociais aos mais idosos que foram cortadas, os cortes no SNS, na Educação e na Segurança Social, a precaridade, o desinvestimento na investigação científica, as broncas que o Tribunal de Contas vai paulatinamente destapando. E não está aqui a porra toda: há muito mais porra para acrescentar

  1. Só é pena que acabe por sair sempre uma asneira, e das grandes, nestas apaixonadas críticas. É assim que, não se sabendo usar corretamente a razão que se tem, ela se acabe por perder. Parece-me vergonhosa a leviana referências às Misericórdias, instituições de solidariedade social, com mais de 500 anos que têm desenvolvido um insubstituível papel no apoio aos mais desfavorecidos.
    Informe-se sobre o que são e sobre as dificuldades por que passam muitas delas, em grande parte por causa dos cortes da Segurança Social que as tutela, no apoio à infância e aos idosos.

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