Rui demais, Maria de menos

(Daniel Oliveira, in Expresso, 25/07/2015)

         Daniel Oliveira

                       Daniel Oliveira

A dois meses das legislativas, não se vislumbra ainda, ao contrário do que acontece em Espanha, nenhuma alternativa que tenha ganho dimensão para fazer abalar o nosso sistema partidário. Este imobilismo, que o episódio do PRD nos diz não ser estrutural, tem levado à inércia dos partidos políticos. É uma pescadinha de rabo na boca: os eleitores estão anestesiados, como estão anestesiados não assustam os partidos, como não assustam os partidos eles não mudam e como não mudam alimentam a apatia dos eleitores. É por causa deste torpor político que muitos se viram para as presidenciais. Só que mesmo neste campeonato os atores políticos teimam em rodar à volta dos seus próprios hábitos. Dentro do PS surgiram vários apoios à ideia peregrina de candidatar Maria de Belém, a anódina deputada que aceitou fazer consultadoria remunerada para o Espírito Santo Saúde quando presidia à Comissão parlamentar do sector. E que assim ficou durante anos, insensível às críticas dos que, socorrendo-se dos mínimos da ética republicana, explicavam que não se podia estar nos dois lados ao mesmo tempo. Acredita quem lançou esta pré-candidatura que isto não seria tema na campanha? Perceberão que tempos vivemos ou olham apenas com enfado para a indignação de quem assiste à sistemática compra da democracia por interesses privados?

Se no PS há quem peque por escassez de ambição, no PSD o pecado é o excesso. Rui Rio, outro candidato a candidato, fica a uma unha negra de dizer que quer governar. E não faz a coisa por menos: quer mudar o sistema político, a justiça e, coisa bastante assustadora para quem conheça os seus instintos censórios, a comunicação social. Um homem providencial e autossuficiente, tão ao gosto da cultura autoritária da direita tradicional portuguesa. Claro que há a Constituição, que reserva ao Presidente um papel pouco mais do que decorativo. Mas pelo menos até chegar a Belém o homem tem o direito a sonhar com o trono de Luís XIV. Depois, se fosse eleito, lá teria de viver como Cavaco vive: a exigir da realidade o que a realidade não lhe quer dar. Ao ponto de pedir aos eleitores o resultado que deseja para as legislativas, ignorando que os presidentes gerem os cenários políticos que lhes são dados pelo povo, não os determinam.

O problema dos que no PS querem Maria em Belém é que querem de menos. São incapazes de perceber que, perante um país deprimido e uma alternativa pífia nas legislativas, as presidenciais seriam um bom momento para a esquerda liderar um sobressalto cívico e, já agora, para o mínimo de exigência ética. Não estivessem alguns socialistas tão empenhados em sabotar a candidatura de Sampaio da Nóvoa e talvez ela cumprisse essa função.

O problema dos que no PSD querem Rio em Belém é que querem demais. A Presidência não é lugar para candidatos frustrados a primeiro-ministro. A República está precisada de referências cívicas e éticas. Nem das avenças de Maria de Belém, nem das megalomanias de Rui Rio. Para as duas coisas já nos chegou uma década de Cavaco.

2 pensamentos sobre “Rui demais, Maria de menos

  1. Não quero saber das presidenciais. Quero uma reacção verdadeira a esquerda! Tudo o que está a esquerda do PS tradicional, deveria fervilhar e reunir e propor qualquer coisa de forte e mobilizador. que fazem vocês todos…estão a dormir, Estão eles sim, anestesiados. Eu não, fico a espera de ver surgir algo para entusiasmar-me com as elições do 4 de outubro

  2. Este como na maioria dos escritos que li do Daniel … não saberia escrever tão bem. Mas … Nunca confiei em candidatos da direita, nem vou poder confiar. Ainda assim, se só pudesse escolher entre este dois, na situação deste país, nem pestanejava: antes demais de um Rio claro, desafiante e voluntarioso que ficar no pântano.

Deixar uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.