‘It’s the Final Countdown’

(Pedro Adão e Silva, in Expresso, 11/07/2015)

Pedro Adão e Silva

                   Pedro Adão e Silva

Nenhuma discussão sobre a situação grega pode começar sem um reconhecimento do fracasso que foi a gestão da crise das dívidas soberanas,

Numa canção da década de 80 tão foleira como popular, os Europe, entre teclados em crescendo, prenunciavam os nossos dias — “it’s the final countdown”. Ainda que numa singela canção, sintomaticamente editada em 1986, ano de criação do mercado único, os quatro suecos não se enganaram. A abrir, anunciavam mesmo “vamos partir juntos/ mas ainda assim é uma despedida”, para depois questionarem “será que as coisas voltarão a ser iguais?”. Na música, a pergunta acaba por ficar sem resposta, ainda que perdure um sentimento de perda indefinido — “sentiremos todos muito a sua falta”.

Dos vários resultados possíveis, o referendo grego só produziu um: foi um momento clarificador que confrontou a Europa com opções inadiáveis. Chegou o momento das escolhas e as coisas, lá está, não voltarão a ser iguais — até domingo, há um ‘Grexit’ ou um acordo que permita à Grécia sobreviver no euro, mesmo que com respiração assistida.

Resolver o problema financeiro grego é uma questão de enorme complexidade. A Grécia é um país insolvente, com um sistema financeiro em rutura, depressão social e economia em cacos, uma administração pública à beira do caos e um sistema político radicalizado. Tudo dentro de uma união monetária. Contudo, a Europa está confrontada com um problema que é também consequência do falhanço colossal na resposta à crise financeira. É por isso que nenhuma discussão sobre a situação grega pode começar sem um reconhecimento do fracasso que foi a gestão da crise das dívidas soberanas, traduzida num programa de ajustamento recessivo, alicerçado em reformas estruturais miríficas.

A contagem decrescente começou e tem razão Mario Draghi ao afirmar que “agora é verdadeiramente difícil”. A situação grega é bem mais complexa do que no passado — há um par de semanas, há um par de meses, mas essencialmente por comparação ao famigerado ano de 2010. Então existia uma margem financeira que se desvaneceu, mas persiste o bloqueio político. A Grécia está insolvente e a Europa amarrada à sua própria bancarrota política.

A soberania partilhada transformou-se em clivagens eleitorais insuperáveis entre um norte que beneficia da moeda única (a Alemanha financiou-se esta semana a taxas de juro negativas) e uma periferia presa a debilidades económicas estruturais.

Agora, uma solução para a Europa depende apenas da gestão do medo. Do medo do Governo francês que teme que um colapso grego reforce a Frente Nacional; do medo dos governos ibéricos de que um acordo desfaça a sua narrativa política; do medo dos políticos alemães de que cedências a Tsipras sejam eleitoralmente insustentáveis e, acima de tudo, do medo do povo grego, cuja situação é dramática e pode piorar.

Porventura, os Europe, na sabedoria que revelavam por baixo dos seus longos cabelos encaracolados, equivocaram-se numa coisa: aconteça o que acontecer, não sentiremos muito a falta deste momento.

3 pensamentos sobre “‘It’s the Final Countdown’

  1. Do referendo grego a demagogia e incompetência andaram de mãos dadas e tentaram lavar uma com a outra.Presumo pelo que tenho visto da eficiência das sociedades do norte que não são gente para se preocupar com fantasias. Incompetência e falta de credibilidade só merecem os adjectivos próprios e não são fantasias geoestrategicas ou outras que os fazem perder a racionalidade .

  2. Segundo o “The Guardian” às 18.35 :
    The leaked proposal also suggests Greece hands over €50bn of “valuable Greek assets” over to eurozone authorities to be sold off over time!

    That would kick in if Greece cannot deliver “a significantly speeded up” privatisation programme.

    It would be a remarkable loss of sovereignty, even for a country used to being overseen by officials from the IMF, ECB and EU for most of the last five years.
    O escarro final sobre os Gregos portanto.

  3. Ás 18.40:

    O Prof Whelan (UCD) diz:
    Germany has an effective veto on ESM loan agreements. German strategy appears to be to set conditions that won’t be met and force Grexit

    QED !

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