O dia do Não

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 06/07/2015)

         Daniel Oliveira

    Daniel Oliveira

Eram 4 da manhã de dia 28 de outubro de 1940, quando, depois de uma festa na embaixada alemã, em Atenas, o embaixador italiano entregou ao ditador grego Ioannis Metaxás um ultimato de Benito Mussolini: a Grécia tinha de permitir que as forças do Eixo entrar no país para ocuparem lugares estratégicos para o seu combate no norte de África. Apesar da resposta ter sido mais completa e ter correspondido a uma declaração de guerra, a lenda diz que terá sido lacónica: Oxi! Ou seja: “não”. E foi assim que começou a mais longa resistência às forças nazis e fascistas. De tal forma longa, de tal forma extraordinária, que Winston Churchill disse: “ Costumávamos dizer que os gregos lutavam como heróis. Agora diremos que os heróis lutam como os gregos. ” Desde esse dia, 28 de outubro passou a ser feriado na Grécia. Oficialmente é “o dia do não”.

Não estou aqui a comparar a Alemanha de Merkel com a Alemanha nazi, nem Draghi a Mussolini nem, já agora, Tsipras ao ditador Metaxás. Estou a tentar explicar que o “não” a imposições externas e em defesa da sua dignidade como nação define a forma dos gregos se veem a si mesmos. O orgulho que sentem não é compreensível para muitos outros povos, que vivem em países igualmente pequenos e pobres. E isso torna-se ainda mais importante quando do lado contrário estão alemães. Pode ser propaganda. Pode ser retórica. Mas é uma coisa bem viva na cabeça de quase todos os gregos, que conhecem histórias brutais de resistência contadas por pais e avós, que as viveram. Resistir faz parte da ideia de ser grego.

Perante esta prova de coragem, que me faz sentir orgulhoso de dividir com os gregos o estatuto de ‘europeu’, os líderes da Europa têm de abrir os olhos.

E o dia de hoje provou-o. É absolutamente extraordinário que os gregos, perante o que viveram na última semana, com dinheiro racionado, filas intermináveis em frente a caixas multibancos, pensionistas em pânico e a certeza de viverão em quase Estado de Sítio ainda mais tempo tenham, mesmo assim, dado a vitória “não”. E tinha razão o militante do Syriza que citei no sábado: marcar um referendo, com uma semana de antecedência, a dois dias do fim do programa, sabendo do risco de ter de fechar os bancos para o controlo da fuga de capitais durante toda uma campanha foi imprudente. Foi levar o teste da resistência dos gregos até às últimas consequências. E mesmo assim o “não” venceu. E venceu, contra todas as previsões, incluindo as minhas, de forma clara.

Um eleitor com quem falei hoje disse-me que a Nova Democracia cometeu o mesmo erro das eleições em que o Syriza venceu: exagerou na dose do medo. E que as pessoas começaram a reagir. A verdade é que, desde terça-feira até hoje, foi o “não”, ao contrário do que me pareceu, que acabou por recuperar votos.

Os gregos resistiram a cinco anos de austeridade. Resistiram a mais de um quarto da população desempregada. Resistiram a cortes brutais nas reformas e nos salários. Resistiram a, muitos deles, passarem a viver sem apoio médico e da caridade alheia. Mas há uma coisa que os gregos não toleram: a humilhação. E de tal forma não toleram que, perante filas para levantar dinheiro, perante o risco de ficar na penúria, sem aliados na Europa, a resistirem sozinhos perante instituições que já não disfarça o seu desprezo pela democracia, escolheram o caminho difícil. Quem não tratar isto com desprezo ou altivez nunca será capaz de compreender a importância que um povo pode dar à sua própria dignidade. Saberá muito de economia, não sabe nada de história.

Perante esta prova de coragem, que me faz sentir orgulhoso de dividir com os gregos o estatuto de ‘europeu’, os líderes da Europa têm de abrir os olhos. Uma coisa é isolar um governo. Outra é isolar um povo. É verdade que se cederem à Grécia estarão a dar um exemplo a outros insurrectos. Um excelente exemplo, por sinal: de que vale a pena continuar a acreditar que o nosso voto e a nossa opinião valem para alguma coisa. Mas se apertarem ainda mais o cerco podem conseguir o efeito contrário: aumentar ainda mais, noutros países, os sentimentos antieuropeístas. Os gregos deram um exemplo de coragem. Veremos se os líderes europeus sabem estar à altura.

Um pensamento sobre “O dia do Não

  1. Chamar a uma farsa de democracia, não consigo concordar. Se fizessem a mesma pergunta do plebiscito, aos alemães daria um resultado oposto e não menos democrático; a razão presumo é que os alemaes se sentem como os pagadores do alivio de austeridade que os gregos compreensivelmente votaram.
    Sinto que sofismas e pseudo verdades democraticas são derrotas para todos os que querem a UE e a sua evolução. Estas vitorias de garotada que vê a politica pelos manuais altamente intelectuais dos geostartegas de pacotilha acho que ajudam a morrer a insipiente solidariedade na UE; e com ela poderá ir tambem a união.

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