KARL, MANDA O CHANEL NOIR

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 04/07/2015)

Clara Ferreira Alves

               Clara Ferreira Alves

(Nota: Apesar das ações dos agentes, individualmente considerados, não serem explicação suficiente para o curso da História, também não há explicação desta que possam ignorar a importância de algumas personagens. E, neste sentido, este texto é notável por prefigurar arquétipos comportamentais diversos que determinarão, seguramente, o resultado do referendo grego de amanhã e do que se irá passar em consequência. Estátua de Sal.)

O problema dos gregos foi e será um bom tema para os profissionais do conselho, que têm várias soluções para a crise e orientações de voto

Toda a gente tem, tinha, teria, teve, terá, um conselho a dar aos gregos sobre como votar num referendo, incluindo os profissionais do conselho. Proponho uma grelha fixa de opção múltipla.

1) Sou um douto Prémio Nobel de Economia a atirar para o keynesiano e vivo em Manhattan que fica longe de Atenas. Sou pago a peso de ouro para desafiar em prosa o capitalismo internacional. Tenho sempre razão e tive sempre razão. Aconteça o que acontecer, a minha vida segue igual. Votem NÃO.

2) Sou um financeiro desses que ganham dinheiro à custa dos desgraçados e estados falhados, vivo de apostas, sei os truques todos e tenho servidores super-rápidos e traders com vazios occipitais de aço. Estou a apostar contra a dívida portuguesa e espanhola e vou ganhar um milhão. Votem NÃO, make me rich.

3) Sou um jornalista com garras e pertenci em tempos à extrema-esquerda, queria salvar o mundo e ganhava uma miséria. Com a idade, descobri que o capitalismo existe e encontrei-o. Passei a ser de extrema-direita e tenho rendimentos, um bom carro alemão e ataques epiléticos de cada vez que vejo um dos antigos correligionários. Passei de Mao a mau e adoro os republicanos americanos embora ache o Tea Party um bocado comunista. Pelo-me por viagens a Washington. Gregos, arrasem o Syriza, votem SIM e corram com esses palhaços.

4) Sou um potentado do “Financial Times”, desses que ajudam os que têm menos cabedal para estas crises a pensar. Sou pago a preço de ouro para fazer previsões mas não acertei uma. Já disse tudo e o seu contrário, nuns dias aconselhei os gregos a não pagarem ao FMI e no dia seguinte aconselhei os gregos a pagarem ao FMI. Ninguém reparou porque ninguém estava à espera de que eles não pagassem ao FMI. Percebo o Syriza e acho que os tipos tem “balls” mas se o dissesse publicamente perdia o emprego e a Lagarde não me largava. Votem SIM.

5) Sou um manda-chuva europeu e só apareço em público com ar de compunção para disfarçar a minha falta de princípios, a minha cobardia e o meu amor à burocracia de que sou um membro bem pago. O dinheiro emprestado à Grécia serviu para pagar aos credores e nunca serviu os gregos. Ahahah! Só agora perceberam? Não querem mais dinheiro emprestado? Vão para o inferno. Odeio os gregos e em particular estes tipos do Syriza que são jovens. Odeio países como a Grécia que me fazem lembrar como o Luxemburgo é um país mais estúpido do que a Suíça e menos rico do que o Liechtenstein. Vou tomar um copo e mandar um whatsapp ao bacano do Orbán. Mon cher Viktor. Votem SIM, mantenham-me empregado.

6) Sou um analista dos que passam a vida na CNN e na BBC a comentar a crise com aproximações analíticas. Tenho uma tese de doutoramento de merda mas sou um perito. A Grécia e o terrorismo são um maná. Já disse tanta coisa que agora só me ocorre dizer isto, aconteça o que acontecer, está bom para comprar propriedades na Grécia. Casas, ilhas, praias, vivendas. Preço da chuva, se me entendem. Votem NÃO.

7) Falando de vivendas, sou um pobre Presidente de um país pobre que se distingue por nada ter de distinto. Não falo, mando bocas, e aqui vai mais uma: se a Grécia sair ficam 18 países. La Palice ao meu lado é um tolo. Se eu soubesse quem é o La Palice, que não sei, só me disseram que éramos parecidos. É com c ou dois ss? Votem BEM.

8) Sou um poderoso chefão alemão e sofri um atentado que me derrubou. Abomino a esquerda. E abomino aquele tipo careca da moto, aquele bonitão arrogante que me olha de alto sabendo que estou cá em baixo. Vou matá-lo, e ao contrário do imbecil que me atentou, não falharei. Sou rijo como um corno de veado da Floresta Negra. Sou bad como o lumbricus badensis, a minhoca gigante da dita. Votem SIM e deixem o careca para mim. Heil!

9) Sou um esquerdista imaculado que acha que os amanhãs cantam e o socialismo vencerá e todos seremos felizes se eliminarmos o capitalismo e o substituirmos por… depois logo se vê. Votem NÃO, camaradas.

10) Sou a mulher mais poderosa do mundo. Tenho responsabilidades e o nazismo em cima. A rainha de Inglaterra que é alemã lá foi a Bergen-Belsen, eu a aguentar isto e os gregos e o meu ministro que é um touro enraivecido. E o chantagista do Cameron. Estou com uma enxaqueca. Gregos, não sei o que dizer-vos, estou como o choninhas do francês, não faço a mínima. Eu cá fico a apanhar os cacos e apanhar cacos é o que a Alemanha sabe fazer. Nós por cá todos bem: Über alles e assim. Para nós, a Grécia vem de carrinho, ou de Uber, ahahah. Fiz uma piada? Fiz.

11) Não sou a mulher mais poderosa do mundo. Isto aborrece-me. Mas sou autoritária. Tenho de bronzear-me na máquina para estar bem na conferência. Adoro o sol e não faço liftings como o Putin. Por causa dos malditos gregos tenho de adiar o voo para as Caraíbas. Votem SIM. Vou prevenir-me e pedir ao Karl um Chanel noir para o funeral da Europa.

6 pensamentos sobre “KARL, MANDA O CHANEL NOIR

  1. Só faltou,claro, nesta tentativa de catálogo de categorias sociais estilo Teofrasto para caracteres, a catagoria da peópria autora.
    Mas pela molhada de “sim” e “não” o que a rapariga nos diz é que é eclaradamente pelo “nim”. E não deixa de ter piada que foi precisamente disso que ela acusou raivosamente António Costa, hoje, no eixo-do-mal, esse magnífico grupo de pensadores do bloco à direita pesada, de boca que de realidade são todos farinha do mesmo saco, como diria Jerónimo,
    E é por isso que este arrazoado da rapariga, digna querida colaboradora de ti balsemão, que até defende de paleio escrito e televisivo a Grécia acaloradamente, agora, no momento do voto, e por conseguinte, na hora de definir-se sobre como votaria arranja um alibi literário para continuar na conduta dos oprtunistas fingindo ser tudo o que seja necessário comportando-se como boa e educada menina pequeno-burguesa do chá do café-com-leite e do croissant.

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