O funeral foi muito bonito. E o bebé tem um físico prodigioso

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 24/06/2015)

Nicolau Santos

Nicolau Santos

Foi um funeral muito bonito, sem desprimor para ninguém. A velha TAP foi a enterrar e a família estava toda lá. Quanto à TAP que vai nascer, os pais dizem que vai ser como a mãe, mas em muitíssimo melhor. Aleluia!

Cada vez vou a mais funerais, mas este foi particularmente bonito. Estava toda a gente bem disposta e faladora, como acontece quando já se sabe que o falecido há muito estava para bater a bota. Os responsáveis por mandar desligar as máquinas voltaram a justificar porque o fizeram. A dra. Maria Luís e o dr. Pires de Lima explicaram que tinha de ser assim, porque não podia ser de outra maneira. A TAP precisava de capital como de pão para a boca e o Estado há mais de uma década que não pode meter lá um tostão. É claro que, ao contrário do que foi dito quando tal cenário se perfilou, afinal a TAP podia mesmo receber ajudas de Estado, pois há muito passaram os dez anos onde isso aconteceu pela última vez. Mas se o fizesse, o Governo seria obrigado a mandar reestruturar a empresa, provocando inúmeros despedimentos, coisa a que este Governo é particularmente avesso, e o corte de numerosas rotas, com risco de a companhia passar a voar só nos arredores de Portugal.

Como foi possível garantir o presente e o futuro da TAP, os interesses dos trabalhadores e da companhia, do Governo e do país? Admitamos que é incompreensível que ainda haja uns recalcitrantes que dizem que estão contra a operação nos exatos termos em que está a ser anunciada

Por isso, em nome do interesse da companhia, do país e dos portugueses, a dra. Maria Luís e o dr. Pires de Lima ficam na História por terem sido quem enterrou a TAP como a conhecemos até agora, mas também por darem o sopro de vida à nova TAP que nasceu hoje, tendo por pais David Neeleman e Humberto Pedrosa. E a avaliar pelo que os dois disseram, nem se consegue perceber porque é que houve tanta resistência a uma coisa tão maravilhosa. A TAP vai continuar a ser portuguesa e uma companhia de bandeira (Humberto Pedrosa dixit), não haverá despedimentos, as regalias laborais são para manter, vão ser abertas mais 10 rotas para os Estados Unidos e mais 8 a 10 para o Brasil, os aviões que vêm a caminho são muito mais confortáveis para os passageiros, mesmo para os pindéricos que viajam em económica, a sede da companhia fica cá por dez anos e quanto ao hub nem era preciso o Governo ter prudentemente estipulado que ele terá de continuar na Portela por mais 30 anos, pois Neeleman, o brascano (brasileiro e americano, como se definiu) que vai liderar a companhia, garante que tal vai acontecer por pelo menos cem anos.

Como foi possível uma privatização tão perfeita, a não ser pelo engenho e arte das equipas conjuntas dos ministérios das Finanças e da Economia? Como foi possível garantir o presente e o futuro da TAP, os interesses dos trabalhadores e da companhia, do Governo e do país? Como foi possível fazer nove ou dez em um? Admitamos que é incompreensível que ainda haja uns recalcitrantes que dizem que estão contra a operação nos exatos termos em que está a ser anunciada.

No final houve muitos beijos e muitas assinaturas, sendo possível constatar que Neeleman é canhoto, embora não se tenha percebido se é hiperativo e não toma os medicamentos para se manter assim, como garantiu a revista Visão na sua última edição. Pouco importa. O funeral, no salão nobre do Ministério das Finanças, foi, garanto, muito agradável. Não houve choro nem ranger de dentes e nem António Pedro Vasconcelos apareceu para estragar a cerimónia. E o que vem aí é trezentas vezes melhor. Aleluia!

2 pensamentos sobre “O funeral foi muito bonito. E o bebé tem um físico prodigioso

    • Você é um homem de fé, caro Cristo. Não sei se será influência do nome… Mas sobre o seu amor pela “inevitabilidade”, só lhe digo que, há não muitos séculos, a escravatura também era “inevitável”, mas acabou porque se lutou contra ela. As mulheres não votavam porque tal era “inevitável”, mas tal discriminação acabou, porque se lutou contra ela. E podia continuar por aí fora. Enfim, se todos os seres humanos partilhassem a sua fé de que não vale a pena lutar por alterar a realidade, ainda estaríamos na idade das cavernas.

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