(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 23/06/2015)
A propaganda faz-se sempre de meias verdades e simplificações. E a simplificação mais grosseira fez a senhora Lagarde, ao acusar o Governo da Grécia de não ser composto por adultos. Não foi este o Governo responsável pela falsificação das contas. Não foi o Syriza que viveu atolado em casos de corrupção. Não foi Tsipras que permitiu ou pediu a intervenção externa. Pelo contrário, este foi o primeiro Governo grego sem qualquer currículo nos muitos erros que, independentemente das responsabilidades da Europa e do desastre que foi o euro para os países periféricos, foram cometidos na Grécia.
No entanto, a imagem que se tentou passar, ao longo destes meses, foi a de irredutibilidade do governo grego, desmentida pelas sucessivas propostas, cada vez mais recuadas, que os gregos foram fazendo. Ou de um suposto amadorismo, a roçar a irresponsabilidade, do ministro das Finanças Yanis Varoufakis. Até se vendeu a ideia de que este tinha sido afastado do processo por Tsipras, tentando assim enfraquecer a sua imagem pública, elemento importante nesta negociação. Um suposto amadorismo difícil de engolir para quem tem acompanhado as suas intervenções e conhece o seu percurso.
A forma mais eficaz de desmascarar a manipulação foi a que o próprio Varoufakis usou: a transparência. Perante o retrato de exigências delirantes ou insensatas da Grécia, divulgou, na íntegra, a sua intervenção no Eurogrupo e as propostas que apresentou.
Os objetivos definidos pelo Governo grego para esta negociação eram puro bom senso. Ela deveria ser a última a fazer-se no meio da crise. Ou seja, a Grécia não deveria passar por processos destes, de seis em seis meses, enquanto definha. A negociação deveria ter como resultado soluções sustentáveis para tirar a Grécia da crise em que está. Para isso, as reformas deveriam contribuir para pôr fim a uma recessão ininterrupta de seis anos, não para a aprofundar. Elas deveriam poupar os mais pobres, que foram as maiores vítimas de tudo o que aconteceu desde que a troika chegou a Atenas. E deveriam tornar a dívida sustentável, para garantir que a Grécia regressa aos mercados, paga o que deve e se torna autónoma.
OLHAR PARA A PROGRAMA ELEITORAL DO SYRIZA, VER O QUE VAROUFAKIS ESTAVA A PROPOR E INSISTIR QUE O GOVERNO GREGO TINHA UMA POSIÇÃO INFLEXÍVEL ULTRAPASSA A DESONESTIDADE INTELECTUAL. É MENTIR
Todos estes objetivos têm de ser subscritos por qualquer pessoa que esteja a procura de uma solução para a Grécia e para a Europa. Infelizmente, não é o caso. Quem propunha reforçar medidas recessivas que se mostraram desastrosas para a economia grega tencionava continuar a negociar com a Grécia em ambiente de crise, para conseguir, tendo-a sempre com uma corda na garganta, tudo o que deseja. Quem queria cortar em pensões que já sofreram uma contratação de quase 50%, quando sabia que os reformados se tornaram, com o desemprego superior a 25%, no amparo de toda a família, estava-se nas tintas para os efeitos sociais do que defende. Quem insistia na mesma receita, mesmo sabendo que a dívida grega passou, depois de dois perdões, de 115% do PIB para 177%, não queria tornar a dívida sustentável.
Não é verdade, como recordou Varoufakis, que a Grécia não tenha feito a sua parte. Nenhum povo fez tanto como os gregos. Nem os portugueses. O seu défice passou a superavit à custa de um ajustamento de 20%. Nunca se tinha feito. Os salários caíram 37%. As pensões foram reduzidas em 48%. O número de funcionários públicos foi reduzido em 30%. O défice caiu 16%. Isto teve um preço. O PIB caiu 27%, o que corresponde a uma hecatombe económica. O mercado de trabalho informal já corresponde a um terço do total. A dívida pública atingiu números estratosféricos. E a Grécia vive uma gravíssima crise social.
O Governo grego propunha-se a uma verdadeira reforma da economia e do Estado gregos. Aliás, o Syriza, distante do ambiente eticamente pouco recomendável que sempre dominou a política grega, seria dos poucos partidos com condições para as propor. Aceitava continuar a fazer privatizações, cedendo, na minha opinião excessivamente, à pressão europeia. Apenas não queria, como deseja quem tem poder junto de Bruxelas para garantir bons negócios para si, vender ao desbarato e à pressa. Propunha medidas concretas de combate à evasão e fraude fiscal e de controlo do défice, criando estruturas independentes do governo que garantissem transparência e rigor. Queria liberalizar vários sectores importantes da economia e fazer reformas profundas na administração pública. E, contando com o apoio técnico da OCDE, queria avançar com medidas eficazes de combate à corrupção. Nas reformas laborais, propunha trabalhar em parceria com a OIT. Qualquer pessoa moderada, de centro esquerda, abraçaria sem qualquer dificuldade o seu programa. E até com algum incómodo por algumas das cedências.
Mas há três coisas que o governo grego não queria mesmo fazer. A primeira: comprometer-se com metas que toda a gente sabe serem impossíveis. Era uma atitude responsável. Fazer mais cortes nas pensões baixas, num sistema de pensões que sofreu uma diminuição de recursos de cerca de 40%. Era uma atitude humanitária. E aumentar mais o IVA. Era uma atitude economicamente racional. O que pretendia era mais profundo e mais sério: mudar a economia e o Estado gregos. Como explicou Varoufakis, tratava-se de escolher entre fazer “reformas que ataquem ineficiências ou comportamentos parasitas e oportunistas” ou ficar pela receita simples e falhada de fazer “mudanças de parâmetros que aumentem as taxas de juro e reduzem os benefícios dos mais fracos”.
Para além das reformas, o Governo grego propunha-se enfrentar a questão da dívida. Começando por definir um calendário e forma de pagamentos racionais que não se limitassem a adiar mais uns meses a morte grega. Ao contrário de Samaras, de teve direito a uma reestruturação insuficiente de dívida enquanto destruía o país, Tsipras pedia uma plano de pagamento realizável, com a prioridade de tirar o FMI da equação. Depois, propunha um programa de investimentos fundado no Plano Juncker.
Olhar para a programa eleitoral do Syriza, ver o que Varoufakis estava a propor e insistir que o Governo grego tinha uma posição inflexível ultrapassa a desonestidade intelectual. É mentir. Pelo contrário, quando olhamos para a imutabilidade das posições da Europa e do FMI, insistindo numa receita que tão rotundamente falhou na Grécia, sabemos quem andou a negociar e quem, pelo contrário, se ficou pelos ultimatos. Não houve qualquer problema no estilo de negociação que os gregos usaram. Apenas acontece que, para negociar, é preciso que as duas partes o queiram fazer.
O acordo que agora se vai desenhando no horizonte não é propriamente alguma coisa. Insiste em metas impossíveis, a que a Grécia poderá optar por dizer que sim, seguindo, por insistência dos credores, o exemplo do governo antecessor e mentindo aos europeus. Parece que não haverá cortes nas pensões. Apenas mais descontos dos pensionistas para a saúde e aumento da idade da reforma. Há uma brutal redistribuição da carga fiscal, sobretudo sobre as empresas. E a promessa de um plano de investimento de 35 mil milhões de euros. Os mais pobres são salvaguardados. Há mais produtos a irem para a taxa máxima do IVA, o que terá efeitos recessivos. Mas nada se resolve sobre a dívida. O que quer dizer que daqui a seis meses volta tudo ao mesmo.
Se for isto, apesar de não ser tão grave como o que era desejado pelas instituições europeias e pelo FMI, não cumpre o objetivo de Tsipras e Varoufakis: relançar a economia e ser a última negociação em crise e estado de necessidade. Como dizia um amigo meu, é uma granada que continua a ser atirada de um campo para o outro, sem rebentar. O pacote é de austeridade, mas não a aprofunda, ao contrário do que desejava a Europa. Sem nada sobre a dívida, serve de muito pouco. E é isso que pode impedir que o acordo passe no parlamento grego. Não chega a ser um erro. É uma inutilidade. Veremos se faz cumprir um dos objetivos de vários Estados da União: fazer cair o governo do Syriza. Tudo defende de como Tsipras conseguir lidar com a frente interna. Tem uma coisa do seu lado: a ausência de oposição política fora do seu partido, esfrangalhada nas sondagens. Apesar de tudo, os gregos apreciam quem, como vitórias ou derrotas, se bate por eles.
Boa tarde,
Gostaria de saber quem empresta dinheiro aos Países em dificuldade além do FMI?
Para saber porque querem “humilhar” e/ou subjugar os Países……penalizando o povo que trabalha…..
Atenciosamente,
É duma fé inabalavel conseguir defender que a actuação deste bando de incompetentes tenha o que quer que seja de competencia. Perder cinco meses e recomeçar ainda pior do que estava quando ganharam as eleiçoes!!!!