O poder dos loucos

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 19/06/2015)

         Daniel Oliveira

                         Daniel Oliveira

Parece um debate de loucos. As instituições europeias pedem à Grécia que se comprometa com metas em que só um doido varrido acredita. Para conseguir equilibrar as contas públicas, o Estado grego teve de arrasar a economia, deixar o endividamento público chegar a uns inacreditáveis 177% do PIB, pôr mais de um quarto dos gregos no desemprego e uma grande parte deles a viver abaixo do limiar de pobreza.

Agora é-lhe não apenas exigido que chegue aos 1% este ano, aos 2% para o ano e aos 3,5% em 2017. É-lhe exigido que, depois disso, assim fique durante muito tempo. Como explicou João Silvestre, nas páginas do Expresso Diário, trata-se uma impossibilidade: dos 28 países da UE, metade nunca conseguiu tal coisa nos últimos 10 anos; 11 nunca conseguiram os 2% e sete nunca chegaram aos 1%. Nos últimos vinte anos, muito poucos conseguiram manter-se por muito tempo, como agora se exige aos gregos, acima dos 3,5%. A Alemanha só conseguiu uma vez, por um ano apenas, e metade das vezes ficou abaixo de 1%.

AO QUE AS INSTITUIÇÕES EUROPEIAS ESTÃO A FAZER À GRÉCIA É BULLYING. O RESULTADO PODE SER A SAÍDA GREGA DO EURO. NÃO SEI, NÃO SABE NINGUÉM, PORQUE NUNCA FOI EXPERIMENTADO, AS CONSEQUÊNCIAS DE TAL PASSO PARA OS GREGOS E PARA A EUROPA

Tenho lido que a Grécia se tem mostrado irredutível perante os credores. Que não aceita. Que é teimosa. Que é radical. Não há negociação possível quando um dos lados pede o impossível. Se o Governo grego aceitasse estas metas estaria a mentir aos europeus. E, depois disso, a destruir a Grécia em nome de uma mentira. As medidas que a Europa quer impor à Grécia (aumento de impostos ao consumo e mais cortes nas pensões) teriam um efeito devastador na já devastada economia grega. Tornando ainda mais improvável o que, na realidade, já é impossível: pagar a dívida.

É difícil acreditar que a Comissão, o BCE e o FMI acreditam que a Grécia pode conseguir nos próximos dois anos, no meio da crise em que está, o que metade dos países europeus nunca conseguiu na última década. E se não estão loucos e não acreditam, desejam uma de três coisas: que o Governo lhes minta, para aplicar medidas inúteis que provem que a Grécia vergou, que decida sair do euro ou que sugue o que resta do país para mais tarde sair do euro.

Se se tratar da tentativa de saque, ela representa o fim moral da União: um credor não pode acabar com um país para cobrar dívidas, assim como não pode acabar com a vida de alguém para reaver o dinheiro. Se for uma das outras duas possibilidades, a motivação destes credores é política: impedir que mais algum povo pense que o seu voto pode mudar a Europa. Trata-se de um golpe de Estado.

O que as instituições europeias estão a fazer à Grécia é bullying. O resultado pode ser a saída grega do euro. Não sei, não sabe ninguém, porque nunca foi experimentado, as consequências de tal passo para os gregos e para a Europa. E este é o segundo sinal da loucura: há imensos responsáveis políticos por essa Europa fora que têm a certeza de que uma União que está há seis anos enredada numa crise de que os outros já saíram está preparada para os efeitos do “Grexit”. Confesso: não sei se lamentaria ou se festejaria a saída da Grécia do euro, a mais idiota invenção europeia desde o pós-guerra. Não sei se os gregos resistiriam ou não a esse passo para a sua liberdade. E não sei se a Europa e nós próprios aguentaríamos a sucessão de acontecimentos imprevisíveis que tal passo desencadearia. Sei que as certezas de tantos, que inventam convicção onde só podem ter dúvidas, são um excelente barómetro da irresponsabilidade política que grassa pela Europa. E ela explica quase tudo sobre esta negociação.

2 pensamentos sobre “O poder dos loucos

  1. James K Galbraith, (BA Harvard, Ph.D. Yale), ( não o confundir com o pai John), escreveu dias atrás este artigo sobre aspectos menos conhecidos da crise Grega. Para alguns membros do comentariado da Estátua de Sal apenas pela filiação o autor já seria suspeito, e muito mais por ser notoriamente um especialista em Economia pós-Keynesiana além de, (e isto é realmente grave), ter sido recentemente colega de Yanis Varoufakis na Lyndon B. Johnson School of Public Affairs da Universidade do Texas (Austin).
    Enfim, aqui fica o texto para apreciação geral:

    “Os leitores da imprensa económica podem ser perdoados por pensarem que as negociações entre a Grécia e a Europa têm por um lado um interlocutor irresponsável- o novo governo Grego- e por outro um constituído pela frente comum dos principais governos e instituições de crédito o qual, esse sim, é responsável e racional na sua defesa de políticas que sirvam o interesse comum dos europeus.

    A perspectiva de Atenas é diferente. A 11 de Junho assisti à sessão da comissão parlamentar de inquérito Grega que investiga a divida publica. Phillipe Legrain, antigo conselheiro do ex-Presidente da UE José Manuel Barroso, foi uma das testemunhas. Legrain é um tecnocrata, um economista e uma pessoa muito reservada. Falou num tom muito comedido.

    O crime original da questão Grega foi cometido, disse ele, em Maio de 2010, quando se tornou óbvio que o país era insolvente. Nessa altura o pessoal do FMI estava convicto que a divida Grega devia ser reestruturada e que uma ajuda financeira era não só necessária como justa, dado que a devedores imprudentes correspondem sempre credores também imprudentes, mas sendo que estes, pelo menos em parte, são sempre recompensados pelos riscos assumidos.

    Essa reestruturação acabou por não acontecer. Em seu lugar um trio de Franceses- no FMI, no Banco Central Europeu e no Elysée, e com o apoio de Angela Merkel, fingiram acreditar que o problema Grego era meramente temporário, que havia uma crise financeira muito mais séria a ser enfrentada e que o maior resgate da história devia ser dirigido não à Grécia, mas sim para transferir para os Estados Europeus a exposição dos bancos franco-alemães à divida Grega, cabendo à Alemanha a maior fatia.

    Põe-se a questão o que terá levado o FMI a conceder o maior empréstimo da sua história, (32 vezes a quota-parte da Grécia no Fundo), apesar das reservas dos seus dirigentes e contra a vontade de muitos dos seus membros não europeus. E a razão foi que na altura Dominique Strauss-Kahn queria vir a ser Presidente da França.

    Ao mesmo tempo o BCE, sob a direcção de Jean-Claude Trichet, comprou cerca de 27 biliões de euros em obrigações do tesouro Grego, fazendo em consequência aumentar o seu preço. Porque razão Trichet agiu desta maneira? Mais uma vez para proteger os credores, na sua maior parte os grandes bancos Franceses.

    Desta maneira as potencias europeias foram capazes de evitar que os maiores bancos sofressem grandes perdas, e o BCE foi obrigado por Trichet a recusar assumir quaisquer prejuízos pela divida Grega, o que constituiu uma ilegalidade face ao seu mandato.

    Um dos princípios básicos da finança: Não se concedem novos empréstimos a entidades falidas. O que se deve fazer quando se enfrenta uma insolvência é a reestruturação da divida. Os especialistas do FMI, que conheciam este principio, foram obrigados a calarem-se. O que aconteceu foi que os líderes europeus se tornaram coniventes numa gigantesca mentira: A pretensão que a dívida Grega era sustentável. Em 2010 os representantes da França, da Alemanha e da Holanda no FMI prometeram, (no seguimento dessa pretensão), que os respectivos bancos manteriam na sua posse os títulos de divida Grega, mas o que na realidade aconteceu foi que os venderam na primeira oportunidade.

    Em 2010 o governo Grego poderia ter reestruturado a sua divida obedecendo às suas próprias regras mas foi incapaz de o fazer, e quando essa reestruturação se deu em 2012 ela foi feita nos termos impostos pelos credores, razão pela qual os fundos de pensões Gregos perderam 60% do seu valor e enfrentam hoje uma situação dramática.

    Em 2010 a Grécia foi obrigada a submeter-se a um programa de austeridade que Paul Thompson-um dos directores do Fundo- classificou como sendo “duro, difícil e doloroso”. Apesar do plano conter um “ajustamento fiscal” valendo 16% do PIB, coisa nunca vista até então, também previa que a Grécia apenas registaria uma quebra de 5% desse indicador, a que se seguiria uma recuperação da Economia em 2013, ano em que a percentagem da divida em relação ao PIB atingiria 150%, o seu valor máximo, para em seguida iniciar uma diminuição constante. O que aconteceu porém foi que a queda do PIB Grego foi cinco vezes maior e que a percentagem da divida hoje ultrapassa os 180%. E não se deu qualquer recuperação da economia.

    Mais adiante, foi perguntado a Legrain qual a sua opinião sobre os economistas que produziram aquelas previsões e a sua resposta foi hesitante. Terá sido incompetência? Panico? Ideologia? A testemunha não se mostrou segura sobre o que responder. Talvez, sugeriu, alguns desse economistas, “na sua estupidez”, acreditaram que o plano surtiria efeito. Em qualquer caso, concluiu,”nenhum deles sofreu pelos erros cometidos.”

    Pois não: Mr. Thompson continua a mandar no FMI- o qual embora agora aceite a necessidade de uma reestruturação da divida- continua a exigir um pacote de cortes deflacionários os quais, segundo a terminologia oficial, são apelidados de “reformas”. Entre eles constam cortes selvagens nas pensões mais baixas em cerca de um terço do seu valor, valor esse que já de apenas 12 euros diários

    Entretanto, de acordo com uma noticia publicada em 14 de Junho no Frankfurter Allgemeine Zeitung, a Comissão Europeia aceitaria trocar os cortes nas pensões por uma diminuição equivalente dos gastos com a defesa. Quem vetou este acordo? Segundo o jornal foi precisamente o FMI. Esta organização acreditaria que constituiria uma pressão mais eficaz sobre o governo Grego se ficassem os idosos pobres do país condenados à fome. Ou então, devido às divisões entretanto surgidas entre os credores, teria o FMI concluído que não lhe seria favorável qualquer acordo- e que portanto seriam fúteis negociações futuras.

    E enquanto o FMI insiste que a Grécia aceite todas as condições, as coisas são bem diferentes um pouco mais para Norte e Leste. Para a Ucrânia, de acordo com uma declaração proferida por Mme. Lagarde, o FMI “poderia financiar a Ucrânia mesmo se esta não possa pagar o serviço da sua divida.”
    Assim acaba a exigência da sustentabilidade das dividas e da máxima que “não se concedem empréstimos a entidades falidas.”

    Os leitores Americanos estão acostumados a ver a Alemanha, os Alemães, a sua Chanceler Ângela Merkel, e o ministro das finanças Wolfgang Schauble, como os maus deste drama. Subestimaram porém o papel escondido desempenhado pelos Rasputins de Paris. E também do Svengali de Frankfurt, Mario Draghi, o qual enquanto escrevo continua a ameaçar veladamente o sistema bancário Grego. Essas suas ameaças poderão produzir nos próximos dias a avalanche que o próprio Draghi prometeu “fazer o que fosse necessário” para evitar.

    • Obrigado, Manuel. Já conhecia o texto, mas foi excelente ideia trazê-lo para aqui, para que alguns “menos informados” ou mais “enviesados” de espírito percebam, de facto, como as coisas se passaram e como a comunicação “mainstream” e as agências de comunicação da UE vão falsificando a realidade a seu bel-prazer.

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