O último ato da Europa?

(Joseph E. Stiglitz, in Expresso, 13/06/2015)

Prémio Nobel da Economia, professor universitário na Universidade de Columbia

Joseph Stiglitz

Joseph Stiglitz

Não é do interesse da Europa ter um país na periferia separado dos vizinhos quando a instabilidade geopolítica é tão evidente

NOVA IORQUE — Os líderes da União Europeia continuam a disputar um jogo de perigosa provocação com o Governo grego. A Grécia aproximou-se das exigências dos seus credores a muito mais de meio caminho. Porém, a Alemanha e os outros credores continuam a exigir que o país adira a um programa que já provou ser um fracasso, e que poucos economistas alguma vez pensaram que pudesse ou devesse ser aplicado.

A mudança na posição orçamental da Grécia, de um grande défice primário para um superavit, quase não teve precedente, mas a exigência de que o país atinja um excedente primário [saldo orçamental sem juros] de 4,5% do PIB foi incompreensível. Infelizmente, no momento em que a troika — a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE), e o Fundo Monetário Internacional (FMI) — incluiu pela primeira vez esta exigência irresponsável no programa financeiro internacional para a Grécia, as autoridades do país não tiveram outra opção senão acatá-la.

A insensatez de continuar a prosseguir este programa acentuou-se particularmente agora, dado o declínio de 25% no PIB suportado pela Grécia desde o início da crise. A troika avaliou muito mal os efeitos macroeconómicos do programa que impôs. Conforme as previsões publicadas, acreditava que, cortando salários e aceitando outras medidas de austeridade, as exportações aumentariam e a economia retomaria rapidamente o crescimento. Também acreditou que a primeira reestruturação de dívida levaria à sua sustentabilidade.

A troika errou nas previsões, e repetidamente. E não por pouco, mas por um montante enorme. Os eleitores da Grécia tiveram razão em exigir uma mudança de rumo, e o seu Governo tem razão em recusar a aceitação de um programa profundamente imperfeito.

Dito isto, existe espaço para um acordo: a Grécia manifestou claramente a sua disposição em aderir a reformas continuadas, e aceitou a ajuda da Europa para aplicar algumas. Uma dose de realidade por parte dos credores da Grécia, sobre o que é possível e sobre as consequências macroeconómicas das diferentes reformas fiscais e estruturais, poderia constituir a base para um acordo que seria bom não apenas para a Grécia, mas para toda a Europa.

Alguns na Europa, especialmente na Alemanha, parecem indiferentes a uma saída grega da zona euro. O mercado, afirmam, já “refletiu no preço” uma tal rutura. Alguns até sugerem que isso seria bom para a união monetária.

Acredito que tais opiniões subestimam significativamente tanto os riscos atuais como os riscos futuros envolvidos. Evidenciou-se um grau semelhante de complacência nos Estados Unidos, antes do colapso do Lehman Brothers, em setembro de 2008. A fragilidade dos bancos americanos era sobejamente conhecida, pelo menos desde a falência do Bear Stearns em março anterior. Porém, dada a falta de transparência (parcialmente devida a uma regulamentação fraca), tanto os mercados como os legisladores não avaliaram corretamente as ligações entre instituições financeiras.

Na verdade, o sistema financeiro mundial ainda sente as réplicas do colapso do Lehman. E os bancos permanecem não-transparentes e, portanto, em risco. Ainda não conhecemos a extensão total das ligações entre instituições financeiras, incluindo os decorrentes de instrumentos derivados não-transparentes e de swaps de crédito vencido.

A Grécia manifestou claramente a sua disposição em aderir a reformas continuadas

Na Europa, já podemos ver algumas das consequências da regulamentação inadequada e do desenho imperfeito da própria zona euro. Sabemos que a estrutura da zona euro encoraja a divergência, e não a convergência: à medida que o capital e as pessoas talentosas abandonam as economias atingidas pela crise, estas tornam-se menos capazes de pagar as suas dívidas. À medida que os mercados se apercebem de que existe uma espiral viciosa descendente, estruturalmente incorporada no euro, as consequências para a próxima crise tornam-se profundas. E é inevitável outra crise: está na própria natureza do capitalismo.

A artimanha do presidente do BCE, Mario Draghi, contida na sua declaração de 2012 que as autoridades monetárias fariam “o que fosse preciso” para preservar o euro, funcionou até agora. Mas o reconhecimento de que o euro não é um compromisso vinculativo entre os seus membros fará com que seja muito menos provável funcionar da próxima vez. Os juros das obrigações poderiam disparar, e nenhuma tranquilização por parte do BCE e dos líderes europeus chegaria para fazê-la baixar de níveis estratosféricos, porque o mundo sabe agora que eles não farão “o que for preciso”. Como mostrou o exemplo da Grécia, só farão apenas o que a política eleitoral míope exigir.

A consequência mais importante, receio, é o enfraquecimento da solidariedade europeia. O euro deveria tê-la fortalecido. Em vez disso, teve o efeito oposto.

Não é do interesse da Europa — nem do mundo — ter um país na periferia da Europa separado dos seus vizinhos, especialmente agora, quando a instabilidade geopolítica é tão evidente. O vizinho Médio Oriente está em tumulto; o Ocidente está a tentar conter uma Rússia novamente agressiva; e a China, que já é a maior fonte de poupanças do mundo, a maior nação comercial e a maior economia global (em termos de paridade do poder de compra), confronta o Ocidente com novas realidades económicas e estratégicas. Este não é o momento para a desunião europeia.

Os líderes da Europa consideraram-se visionários quando criaram o euro. Pensaram que estavam a ver além das exigências de curto prazo com que os líderes políticos se preocupam normalmente.

Infelizmente, o seu conhecimento da economia não chegou para a sua ambição; e o ambiente político do momento não permitiu a criação do modelo institucional que poderia ter feito o euro funcionar como pretendido. Embora a moeda única devesse trazer prosperidade sem precedentes, é difícil detetar no período anterior à crise um efeito positivo significativo para a totalidade da zona euro. No período posterior, os efeitos adversos foram enormes.

O futuro da Europa e do euro depende agora dos líderes políticos da zona euro serem capazes de combinar um pouco de conhecimento económico com um sentido visionário e uma preocupação pela solidariedade europeia. Começaremos provavelmente a descobrir a resposta para essa questão existencial durante as próximas semanas.

 

3 pensamentos sobre “O último ato da Europa?

  1. Caro “Estatuadesal”,
    Pelos artigos de DO e de MST nota-se com estes dois que, tendo sido contribuintes líquidos para o que se passa hoje com Sócrates, já se nota uma tomada de consciência de defesa democrática de valores e justiça. No caso de MST até se nota uma quase consciência convencida de que a actuação da justiça no caso Sócrates é um disfarce de vingança corporativa cada vez mais descarada e desavergonhada; MST, que deveria até hoje ter sido obrigado a fazer diariamente uma visão do debate eleitoral entre Sócrates e passos para não voltar a falhar desgraçadamente na análise política como tanta vez faz, começa a redimir-se da asneira completa que cometeu ao ajudar com um grande empurrão de passos para o pote e os portugueses para a gamela.
    Claro, tanto DO como MST, continuam apontando dúvidas e dizendo que não gostam da arrogância e aquilo e etc. mas cada vez sentem que não era arrogância mas vontade forte, convicção, capacidade intelectual e de decisão e acção muito acima do comum; aos poucos vão rendendo-se a esta nova visão o que os faz virem em sua defesa depois de lhe atirarem para o derrubar.
    Agora, meu caro, leia com atenção o artigo abaixo da pachecal figura; uma subliminar, mas clara para quem esteja atento, miserável opinião dirigida contra Sócrates e, sobretudo contra o PS; ver o elogio que faz ao “povo” do PCP que se reúne na Av.da Liberdade sem fazer a mais pequena análise dos motivos dessa manif. nem do momento, nem da forma como esse povo é arregimentado, nem, sobretudo, do seu alcance e intuito ou finalidade. e nem sobre o discurso de Jerónimo que, como todos discursos seus, são, em primeiro lugar, para dizer ao PSD que podem conter com eles, novamente, para derrubar um governo PS minoritário.
    E depois do arrazoado de elogios literários à pureza dos proletários incompreendidos pelos urbanos lisboetas, para rematar, lá vem o ataque soez a Sócrates, este sim seu inimigo de estimação, ou amigo de vingança e ou amigo de inveja, sob a forma disfarçada condoída benevolente, de que não bate em caídos na mó de baixo. Pois bem, este pacheco que, depois de muito mais que DO ou MST, ter contribuído para meter Sócrates na prisão e até queria aplicar-lhe a pena máxima como promotor de um, calculem, “atentado ao Estado de Direito” cometido por meio de conversas ao telefone com os amigos e familiares, vem agora fingidamente insinuar que tem pena e dó do caído em desgraça; desgraça a vida de outrem e de seguida finge-se condoído com a desgraça que promoveu e provocou.
    A opinião política do nobre de linhagem ducal pacheco, tem tanto valor e veracidade como aquela visão de certezas e convicções que teve, juntamente com durão, aznar, blair e bush, de ter visto o Iraque coberto de armas de destruição maciça.

    • Amigo Neves. Se vamos analisar a “autoritas”, moral ou cívica dos plumitivos pelo “curriculum” estamos feitos. Aí digo como o Sócrates, ao que parece, disse ao Rosário: não há vestais e muito menos lugar a virgens ofendidas. Claro que o percurso do Pacheco é “errático” e muitas vezes no “dark side of the history”, parafraseando os Pink Floyd. Mas deixe-o fazer a sua penitência. “Eu digo que, da mesma forma, haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não precisam arrepender-se.” (São Lucas, 15:4-7). 🙂

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