Uma baforada para os pregadores da virtude

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 15/05/2015)

         Daniel Oliveira

                         Daniel Oliveira

Deixei de fumar há um ano e meio. Uma decisão difícil, que exigiu muita força de vontade, para quem fumava dois maços e meio por dia. E deixei de fumar apesar da absurda espiral de perseguição aos fumadores. Posso mesmo dizer que ela foi, para além do vício e do abandono de um prazer (sim, fumar era um prazer de que sinto imensas saudades), o que mais me fazia resistir a este abandono. Detesto que me queira desviar para o caminho da virtude e dos bons costumes.

Eu gosto, como sabem, que o Estado cumpra as suas funções. Mas fico perturbado quando vejo tudo de pernas para o ar. Vejo que o Estado abandona o Serviço Nacional de Saúde, desregula o mercado de trabalho e se recusa a proteger-nos da exploração e do abuso, deixa o mercado entregue a si mesmo e permite a fuga das grandes empresas às suas obrigações fiscais. E quanto menos existe mais quer mandar nos nossos gestos quotidianos. Na realidade, o Estado deixou de proteger os cidadãos de quem tem mais poder do que eles mas está cada vez mais empenhado em proteger os cidadãos de si mesmos. Nós temos de viver com a liberdade económica de quem tem dinheiro e a liberdade de circulação de capitais. A única coisa que o poder político acha que não podemos aguentar é a nossa própria liberdade.

O ESTADO DEIXOU DE PROTEGER OS CIDADÃOS DE QUEM TEM MAIS PODER DO QUE ELES MAS ESTÁ CADA VEZ MAIS EMPENHADO EM OS PROTEGER DE SI MESMOS. A ÚNICA COISA QUE O PODER POLÍTICO ACHA QUE NÃO PODEMOS AGUENTAR É A NOSSA PRÓPRIA LIBERDADE

Nesta espiral legislativa, que tem a enorme vantagem de não exigir mais a um Governo do que uma caneta e vontade de agradar à maioria do eleitorado, surgiu mais uma medida, comum em vários países: acrescentar imagens assustadoras, muitas delas sem qualquer rigor científico e técnico, para que as pessoas deixem de fumar. Em vez de informação rigorosa, em vez de exigirem mais obrigações às tabaqueiras, em vez de se tratarem os cidadãos como adultos e as empresas como responsáveis, apela-se ao medo.

Deixei de fumar. Mas, perante os militantes higienistas, sempre prontos a converter-me e purificar-me, tenho uma vontade louca de pegar num cigarro e dar uma baforada de prazer. Sei que o tabaco mata e tira qualidade de vida. Mas não matou tanta gente como aqueles que sempre quiseram obrigar os outros a viver segundo as suas regras de virtude. E não tira tanta qualidade de vida como as hordas de moralistas que querem limpar o mundo de todo o vício.

Pena não ter coragem de morrer cedo. Comprava já um maço, daqueles que vão ficar parecidos com as capas do “Correio da Manhã”, cheios de fotos com cadáveres e frases bombásticas, e fumava-o com um indescritível prazer. Seria a minha homenagem aos que, menos temerosos do que eu, dedicaram a sua vida à imperfeição e ao vício.

Um pensamento sobre “Uma baforada para os pregadores da virtude

  1. ò querido Daniel, não seja por isso..eu acendo mais um e dou umas boas baforadas por si, coisa que faço desde os 15 anos e ainda com mais prazer dado o extremismo anti que se sente hoje….quanto á coragem ela hoje é vista como um defeito, por isso não se recrimine muito, que já mostrou bastante só ao escrever estas linhas..um brinde com um SG filtro!

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