Afinal o Reino Unido é Europa

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 08/05/2015)

         Daniel Oliveira

                        Daniel Oliveira

Os Liberais Democratas levaram uma tareia por causa da sua aliança com os conservadores. Passaram de 57 deputados (há 10 anos tinham 62) para uns humilhantes 8. Passaram de 23 por cento para menos de 8. Mas nem assim os trabalhistas deram a volta. Porque também eles levaram uma tareia na Escócia. O Partido Nacional Escocês (de esquerda) subiu de 6 para 56 deputados (há 59 deputados escoceses) e de 1,7 por cento para 5 (54 por cento dos votos, na Escócia). Os conservadores ganharam cerca de 20 deputados e conquistaram a maioria, mas a subida em percentagem foi mínima: passaram de 36 por cento para 37. Com a queda livre dos LibDem, a coligação de governo perdeu cerca de 30 deputados e 14 por cento. Os trabalhistas perderam, na oposição, mais de 20 deputados. Em percentagem, até subiram de 29 por cento para 31. Dois terços dos britânicos abstiveram-se.

A grande vitória da noite vai para o Partido Nacional Escocês (SNP). Muitos pensarão que tudo se resume a uma súbita onda nacionalista ou à inegável popularidade da nova líder, Nicola Sturgeon. Mas parece-me que é mais do que isso. No referendo recente, os escoceses acabaram por recuar na sua vontade de serem independentes. Tiveram receios dos efeitos dessa decisão, até porque os principais partidos britânicos se encarregaram de criar um clima de pânico e até chantagem. Ficou agora claro que os escoceses recuaram mas não desistiram. E que os trabalhistas pagaram o preço pelo seu papel em todo este processo. O sentimento independentista não nasceu de geração espontânea, três séculos depois de uma caminhada conjunta. A lenta destruição do Estado Providência, cimento, desde o pós-guerra, da coesão social e política do Reino Unido, também terá tido o seu papel. A Escócia tem cada vez menos razões para querer continuar num barco de egoístas.

CONTRA A EUROPA, CRESCE A DIREITA. CONTRA O REINO UNIDO, CRESCE A ESQUERDA. O DESENCANTO ESVAZIA O CENTRO. A MAIORIA É A MESMA, O GOVERNO PODERÁ SER PARECIDO

Depois há a parte que o sistema eleitoral britânico esconde. O UKIP franqueou as portas do Parlamento. E isto já não seria coisa pequena. Só que o sistema é uninominal. Tiveram mais de 13 por cento dos votos. Foram, à sua proporção, o partido que mais cresceu nestas eleições. Tinham, em 2010, 3 por cento.

E os Verdes, aquele que é, na minha opinião, o mais interessante dos partidos a concorrer a esta eleição, aumentaram, também para dois, os seus representantes. Mas a coisa é bem menos impressionante do que com o UKIP. Passaram de um por cento para 4.

Os vencedores-outsiders foram os nacionalistas ingleses, de direita, e os nacionalistas escoceses, de esquerda. Na oposição, o centro-esquerda continua a não convencer, tal como acontece em toda a Europa. Contra as espetativas, os conservadores venceram, apesar da sua subida ter sido pouco significativa.

Os Liberais Democratas, que renegaram tudo para se manterem no Governo, foram enxovalhados sem dó nem piedade. Contra a Europa, cresce a direita. Contra o Reino Unido, cresce a esquerda. O desencanto esvazia o centro. A maioria é a mesma, o Governo poderá ser parecido. Mas os sinais para onde está a mudar a política aí estão e batem certo com o que vamos vendo por essa Europa fora.

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