Como os políticos destroem a política

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 05/05/2015)

         Daniel Oliveira

                       Daniel Oliveira

Num ato um pouco estúpido do ponto de vista tático, o PSD pediu que o cenário macroeconómico do PS fosse sujeito a uma avaliação da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República. Estúpido, porque com a proposta valorizou aquilo que nem um programa eleitoral é e fez com que o país continuasse a discutir o assunto, tratando António Costa como o futuro primeiro-ministro.

A proposta também é disparatada por razões práticas. Porque haveria a UTAO de avaliar propostas do PS e não do PCP ou do CDS? E porque não do MRPP ou do POUS? E porquê avaliar o cenário macroeconómico e não o programa? E porquê o programa e não cada medida, isoladamente considerada, que surja em comícios? Os programas eleitorais não vão, segundo o nosso sistema constitucional, a votos. São as listas de deputados. Logo, esta ideia é daqueles truques mediáticos inconsequentes que deveriam ser tratados como tal. Mas ela é, e apenas nisso tem interesse, sintomática da forma como a política se trata a si própria.

Na realidade, o cenário macroeconómico do PS não é um cenário macroeconómico. É, mesmo quando responde às 29 perguntas do PSD com fórmulas matemáticas, um programa político. Que vai da economia às leis laborais. E um programa com várias premissas ideológicas e teóricas que não estão no domínio da ciência exata. Pressupõem-se efeitos das medidas propostas que não podem ser verificados apenas por técnicos, já que se filiam em teorias económicas (e políticas) que se confrontam com outras. Seria impossível a UTAO avaliar esses efeitos de forma neutra. Porque falar de política económica é falar de política. A neutralidade é impossível.

A SUBSTITUIÇÃO DA POLÍTICA PELA TECNOCRACIA, QUE CORRESPONDE À IMPOSIÇÃO DE MODELOS POLÍTICOS ÚNICOS, É UMA DUPLA ALIENAÇÃO DOS CIDADÃOS EM RELAÇÃO À DEMOCRACIA

Acontece que este erro resulta, desde já, de um outro: um programa político de um partido apresentado por um conjunto de economistas sem, na maioria dos casos, qualquer responsabilidade política na candidatura do PS. Ou seja, é o próprio PS que tenta reduzir o seu programa a uma questão técnica, a ser tratada por técnicos. Ao líder do partido restaria a escolha de algumas, entre elas. E assim, um candidato a primeiro-ministro esconde-se atrás de uma suposta tecnocracia para se libertar da responsabilidade de fazer escolhas que correspondam a alternativas. Aquilo é a “verdade” e o pobre António Costa apenas pode escolher dentro daqueles parâmetros.

A substituição da política pela tecnocracia, que corresponde à imposição de modelos políticos únicos, é uma dupla alienação dos cidadãos em relação à democracia. Primeiro, porque lhe é retirado o direito a compreender o debate em que deveria estar envolvido. Tudo se resume a uma questão técnica para a qual ele não está habilitado. Quando um partido responde a outro com uma equação incompreensível para a quase totalidade das pessoas estamos conversados sobre a transparência do debate político. Segundo, porque a escolha desaparece da democracia e tudo se resume a diferenças técnicas num quadro de pensamento político apresentado como indiscutível. No fim, trata-se de escolher o melhor técnico para lidar com uma realidade inalterável. É a negação da própria razão de ser da democracia: é por a política não se esgotar na técnica que exigimos que os políticos sejam eleitos pelo povo – e não nomeados por concurso ou escolhidos por colégios de sábios.

O exercício feito por Mário Centeno, acompanhado por vários economistas, não foi um exercício académico. Foi uma proposta política movida por convicções políticas e objetivos políticos. António Costa deixou que alguém sem mandato político cumprisse um papel que deveria ser seu – ou de um outro político do PS. Ou isso diz qualquer coisa sobre o papel que pretende ter como primeiro-ministro – voltando a cometer o erro de outros primeiros-ministros, que deixaram que o ministro das Finanças mandasse no seu Governo –, ou foi apenas uma jogada mediática, o que não deixa de ser uma confissão de fraqueza.

Mas a resposta do PSD, que em vez de contestar as soluções e os números propõe que técnicos avaliem umas e outros, corresponde ao mesmíssimo problema: são os políticos, ao aceitarem que vivemos num tempo em que a escolha de alternativas está vedada aos cidadãos, a desconsiderar a democracia e, por consequência, a desconsiderarem-se a si mesmos.

Um pensamento sobre “Como os políticos destroem a política

  1. O cronista não resistiu em tentar atacar António Costa, armando-se em
    “spin-doctor”, torce o assunto de modo a atribuir uma pretensa falta de
    coragem ao visado! Sem dúvida que os convidados fizeram uma propos-
    ta destinada à elaboração do programa de Governo do PS ponto final!
    to é mera especulação com raíz bem determinada e na mesma onda
    de outras correntes partidárias da dita esquerda que continua a jogar com
    a direita que está no poder com a sua preciosa ajuda !!!

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