Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto*

(António José Teixeira, in Expresso Diário, 23/04/2015)

António José Teixeira

                António José Teixeira

O cenário macroeconómico para os próximos quatro anos, que António Costa encomendou a 12 economistas (em rigor serão 11 mais um jurista), parece ir além do que se poderia esperar de uma previsão de comportamento das variáveis económicas em função de determinados objectivos políticos. Desde logo porque faz opções políticas concretas, seja sobre o papel do Estado, seja sobre as áreas a privilegiar, seja quanto ao futuro da segurança social, seja por apostar mais na procura do que na oferta… O PS não está a testar objectivos, ou mesmo políticas, na prática está a apresentar por interpostos economistas um programa eleitoral, muito pormenorizado, repleto de medidas concretas. Não é um programa completo, no sentido em que não se deteve em todas as áreas, nomeadamente nas de soberania. Detém-se sobretudo nos domínios económico e social, mas é aqui que as escolhas de políticas públicas são politicamente determinantes. Consciente do risco político que o documento dos 12 coloca, António Costa fez questão de lembrar que o relatório não é uma bíblia nem os 12 os apóstolos. Defendeu o primado da política sobre os tecnocratas e atreveu-se mesmo a dizer que «estamos todos cansados de ser governados por modelos macroeconómicos». Pois o que o PS colocou em cima da mesa é mais do que um modelo macroeconómico, mas não deixa de ser um modelo macroeconómico. O relatório já é tratado pelo próprio secretário-geral como «programa». O equívoco será sedutor. Parece ser já o programa eleitoral do PS (prometido para Junho) não o sendo ainda. Parece ter sido já assumido pelo PS, mas será ainda apenas o relatório dos economistas escolhidos por Costa. O equívoco permite grande elasticidade na argumentação socialista. Em qualquer caso, tem uma grande virtude: introduz substância e contraste no debate político, mesmo que seja tentador ignorar a substância das propostas a favor da retórica mais rasteira.

Independentemente da valia das propostas, o PS marcou pontos. Tem ideias para debate, que resultam de estudos concretos, preencheu algum vazio do discurso socialista e mostra alternativas à governação da maioria. Deixámos de ter manifestos de economistas para termos medidas concretas apontadas ao país. A política não é uma questão técnica, mas credibiliza-se pelo estudo das variáveis em presença. O Governo e a maioria acusaram esta mudança qualitativa. Só ontem, foram cinco os membros do governo que se mobilizaram para responder à iniciativa socialista: primeiro-ministro, vice-primeiro-ministro, ministra das Finanças, ministro da Economia, ministro da Defesa… Contundentes, às vezes demagógicos, acabaram por chamar a atenção para o contraste. Até aqui, tinhamos um governo que tinha feito opções no Orçamento do Estado, no Programa de Estabilidade e no Plano Nacional de Reformas. Do lado do PS, pouco mais do que críticas sem alternativas. Agora, mesmo sem assumidos programas eleitorais, há alternativas claras. E isso é um benefício significativo para o país.

O PS não está a testar objectivos, ou mesmo políticas, na prática está a apresentar por interpostos economistas um programa eleitoral, muito pormenorizado.

É pouco rigoroso dizer que temos pela frente um duelo económico entre liberais e keynesianos. Há muita impureza e virtudes incertas nestes cenários. Na aparência, o cenário do PS é mais simpático, mais optimista, distribui mais rendimentos e promete melhores resultados. Também por isso pode ser menos confiável. Para quem tanto pintou de negro o trajecto seguido até aqui corre agora o risco de passar a ideia de que é fácil sair da crise. Ao contrário, PSD e CDS estão colados à austeridade, prolongam cortes, parecem ver mais dificuldades no horizonte, apesar dos ‘cofres cheios’, e não acreditam em caminhos alternativos. A verdade é que agora temos ideias alternativas. Já não acontecia há muito. Ainda serão incompletas, mas merecem, exigem, ser discutidas, testadas. Os chavões tremendistas serão inevitáveis, mas os partidos têm a obrigação de discutir com seriedade as opções que temos pela frente. Não lhes faltará uma base fundamentada. E não lhes faltará tempo. Haja vontade!

Um tema vai estar no centro do debate: a Taxa Social Única e a segurança social. Numa sociedade tão envelhecida como a nossa, com óbvios problemas de sustentabilidade, diminuir as contribuições de empresas e trabalhadores ou fazer «poupanças» no orçamento da segurança social não será a via ideal para resolver problemas da economia. Bagão Félix alertou ontem na SIC Notícias para o risco de se violar o contrato social. A TSU tem um fim concreto. Deveria ser estável e previsível. Mas este é um bom tema que justifica esclarecimento e debate. É uma questão política por excelência, que necessita do contributo de especialistas, nomeadamente dos economistas. E a atenção de nós todos.

Enquanto isto, Marcelo Rebelo de Sousa não perde tempo. O ideal seria um modelo misto que combine ideias do PS com as dos partidos do governo. Ainda não é candidato assumido a Presidente da República e já lhe veste a pele…

*O título é pedido emprestado a Mário de Carvalho

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