Entre a restauração e a fábrica de caramelos

(Nicolau Santos, in Expresso, 03/04/2015)

Nicolau Santos

Os programas com que os partidos políticos se apresentarão às eleições legislativas de outubro de 2015 serão provavelmente os mais escrutinados de sempre dos últimos 40 anos. Nenhum votante quer ser de novo surpreendido por promessas eleitorais que são rasgadas logo que se chega ao poder. Desta vez, o que se espera é que os partidos, tendo em conta os constrangimentos financeiros, tenham claras as medidas que querem e podem aplicar, sem conduzir a novos desequilíbrios.

Nesse sentido, PS e PSD estão já a preparar as suas propostas económicas, que serão ou não depois plasmadas nos programas com que se candidatarão às eleições. No PS, onze economistas de diferentes escolas estão a trabalhar com base nas projeções da Comissão Europeia para a economia portuguesa, testando mais de duas dúzias de choques e os impactos no crescimento, emprego e orçamento. Para já, sabe-se que um desses choques tem a ver com a redução do IVA da restauração de 23% para 13%, uma medida que poderá contribuir para o crescimento em 0,2 pontos e aumentar o emprego.

Do lado do PSD, Rogério Gomes, presidente do Gabinete de Estudos, apoiado pelos economistas Pedro Reis, Moreira Rato e Manuel Rodrigues, prepara as propostas a submeter aos órgãos do partido. E o mínimo que se pode dizer é que Rogério Gomes tem ideias boas e originais. O problema é que as boas não são originais e as originais não são boas. A primeira é que o PSD vai propor um contrato fiscal à população, porque “a carga fiscal é obviamente brutal”. Infelizmente, o tal contrato fiscal não se dirige aos bolsos dos cidadãos: “Se o maior problema do país é o desemprego, o desagravamento fiscal tem de começar obviamente pelo lado dos impostos que podem ajudar a criar emprego”. Ou seja, pelo IRC, e não pelo IRS ou pelo IVA. Convém lembrar a Rogério Gomes que se a carga fiscal é “obviamente brutal”, o responsável é o atual Governo, liderado por Passos Coelho, que prometeu que faria o ajustamento em 2/3 por cortes na despesa e em 1/3 por aumento de impostos e fez exatamente o contrário. Depois, a descida do IRC está em curso e é um compromisso do Governo: uma diminuição anual de 2 pontos até atingir 19%.

Rogério Gomes também defende a aposta no desenvolvimento regional por contraponto à procura de investimento estrangeiro. O professor universitário e presidente do Instituto do Território é radical: “Esse mundo morreu! Temos de deixar de andar atrás do D. Quixote do emprego de uma multinacional que hoje está aqui e amanhã se vai embora. Hoje o jogo da competição faz-se sobretudo a nível regional. Temos é de saber como é que a fábrica de caramelos pode criar mais dois postos de trabalho”.

Entre a aposta na restauração ou na fábrica de caramelos, vamos ter de decidir em quem votar em outubro.

E assim, entre a aposta na restauração ou na fábrica de caramelos, vamos ter de decidir em quem votar em outubro. Não custa, contudo, pedir um esforço aos dois maiores partidos portugueses: seguramente que conseguem fazer mais e melhor.


As curvas do desemprego

Até agora não se percebia como é que o desemprego se reduzia tão rapidamente se a economia crescia tão lentamente. Agora, é o contrário: com a economia a crescer, o desemprego aumenta desde novembro e já vai em 14,1%, o nível mais alto desde julho de 2014. Ora, de duas duas: ou a retoma é bastante mais frágil do que se pensava ou os empregos criados são tão precários que se tornam facilmente descartáveis. Mais preocupante é o facto de o número de empregos na economia (4,4 milhões) ser hoje inferior ao que existia antes de 2011 (mais de 5 milhões); e o desemprego estar em patamares bem mais elevados. Aliás, o Barómetro das Crises sublinha que pela primeira vez, os valores do desemprego “não oficial” (número de desempregados não reconhecido pelas estatísticas) ultrapassaram os números do desemprego “oficial”; e que tendo em conta as diversas formas de desemprego, o subemprego e os novos emigrantes, a taxa real de desemprego poderá situar-se em 29% . Não é animador.


Sevinate Pinto

Armando Sevinate Pinto foi um dos rostos da mudança da agricultura portuguesa. As políticas nacionais para o sector nos últimos 40 anos beneficiaram do seu contributo. Acompanhou a adesão do país à CEE e as mudanças da PAC. Era corajoso, polémico e independente. Como consultor de Cavaco Silva assinou o Manifesto dos 70 em defesa da renegociação da dívida pública. A agricultura portuguesa perde, com a sua morte, um dos seus maiores defensores e um dos seus mais profundos conhecedores.


Fundos: é desta?

Portugal já beneficiou de quatro quadros comunitários nos últimos 28 anos. Nos primeiros dez anos, o PIB per capita aproximou-se 12 pontos da média comunitária; nos últimos 18 anos divergimos um ponto. Como foi isto possível? Que tipo de investimentos se fizeram que não levaram a economia a dar um salto qualitativo? Mas como passado é museu, olhemos para o Quadro 2020. O mínimo que se pode dizer é que parece fazer sentido que as empresas sejam as principais beneficiárias, recebendo 8200 milhões naquele período. Ou que 1200 investigadores passem a trabalhar em empresas, apoiados durante três anos por estes fundos. Ou que os beneficiários da formação tenham de suportar 10% dos encargos. E que exista uma regra de empregabilidade para medir os resultados dessa formação. O secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, Castro Almeida, procedeu a uma revolução tranquila em matéria de fundos comunitários. Veremos os resultados. Mas será difícil fazer pior do que o que aconteceu nos últimos 18 anos.

Um pensamento sobre “Entre a restauração e a fábrica de caramelos

  1. Já disseste em quem votas Nicolau! Vai verter águas que estás apertado..! Jornalistas de estatísticas e apelo ao voto neste governo. Por favor os mesmos que nos governam? Nem sequer disfarças, multifacetado…

Deixar uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.