Desculpem voltar à Grécia, talvez seja um desequilíbrio excessivo!

(António José Teixeira, in Expresso Diário, 26/02/2015)

António José Teixeira

As relações internacionais não se costumam compadecer com estados de alma, mas nem por isso os estados de alma deixam de ser reveladores de uma intencionalidade. O caso da Grécia, desde que o Syriza ganhou as eleições, é elucidativo. Uma Europa aflita, temerosa, vergada ao peso da Alemanha, olhou para a erupção grega como uma ameaça. Desde logo, porque o discurso grego punha em causa o caminho traçado. E também porque o seu avanço poderia estimular todos os que se têm oposto aos programas de austeridade. Confirmada a ameaça, gradualmente o governo grego sentiu que o peso da Alemanha era, afinal, o peso dos 27 e o peso dos credores. Desde o início das negociações, a ideia nunca foi encontrar melhores soluções para a Grécia e para a Europa. O «ajustamento» grego falhou em toda a linha, por culpa própria e da troika. Só isso explica que o descalabro dos partidos que antes governaram a Grécia. O desgoverno grego é antigo e a responsabilidade não é decerto dos que agora querem governar o país, independentemente das suas capacidades. Tsipras e Varoufakis fizeram promessas que não vão cumprir. É recorrente a mentira. Basta olhar para Portugal.

Na sexta-feira, o cenário que estava traçado era obrigar Atenas a render-se. O braço-de-ferro com a Alemanha ia nesse sentido e só o alerta de Mario Draghi sobre as consequências das brutais fugas de capitais dos bancos gregos obrigou ao compromisso. Seria natural e sensato que todos se congratulassem com o princípio de acordo, particularmente a Alemanha e os restantes parceiros, que conseguiram convencer Varoufakis a renegar uma parte significativa das promessas eleitorais. O acordo será bom para todos. É esse o pressuposto de um acordo. As cedências, mesmo que desequilibradas, fazem parte da negociação. Neste caso, assistimos à humilhação de quem mais cedeu. Foi notório o prazer com que o ministro alemão Schauble rematou a reunião do Eurogrupo: «Os gregos vão ter certamente dificuldades em explicar este acordo aos seus eleitores…» Revelador. E estava aqui dado o tom para o discurso dominante dos últimos dias: o Syriza não passa de um grupo de irresponsáveis, que violou as promessas eleitorais e que foi derrotado em Bruxelas sem apelo e com agravo.

Não se valoriza um acordo com a Grécia. Nem se fala sequer de governo grego. Fala-se de Syriza. As palavras não são inocentes. Na síntese do El Mundo, Tsipras está entre a espada dos eleitores e a parede dos credores. Não é verdade que não tenha conseguido concessões relevantes, mas é também verdade que a grande maioria dos condicionamentos se mantém. A Europa alemã está disposta a mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma. Por momentos, chego a pensar que tudo estava a correr bem na Grécia e que, inexplicavelmente, um bando de loucos obteve os favores dos eleitores… O que me leva a pensar que, com exceção da Grécia, tudo corre bem na União Europeia. Atenas tornou-se um desmancha-prazeres.

Portugal é um dos países que mais se sentiu beliscado pelo sedutor Varoufakis. A libertação lusa da troika está a correr tão bem que não queremos que ela falte aos gregos… É preciso que sofram como nós sofremos.

Portugal é um dos países que mais se sentiu beliscado pelo sedutor Varoufakis. A libertação lusa da troika está a correr tão bem que não queremos que ela falte aos gregos… É preciso que sofram como nós sofremos. Solidariedade no sofrimento. Os nossos já lá vão. Agora, todos os dias batemos recordes. As performances orçamentais e económicas enchem-nos de orgulho. O que corre mal é consequência da pesada herança socialista. Talvez por isso, tenha fugido a António Costa a boca para a verdade ao ver-se rodeado por chineses a celebrar o novo ano. Quatro anos depois de Sócrates, o país está diferente. Para escândalo socialista e regozijo da maioria, o país está melhor, mesmo que para consumo chinês. Estava perto o golpe de misericórdia nas ambições de Costa quando eis que surge a notícia de que Portugal foi colocado sob vigilância da Comissão Europeia por «desequilíbrios económicos excessivos». Não somos os únicos. Parece que boa parte da Europa padece de maleitas parecidas. Nada que uma cura alemã de austeridade não trate… A cura agravou até agora a doença, mas como veio de um país incólume, impõe-se repetir a dose. A Grécia já experimentou várias. Estava no bom caminho não tivesse surgido o Syriza…

A Europa a 28 teima em não acordar. Une-se, imagine-se, para vencer a Grécia. E não se atreve a vencer o marasmo, a investir no que sabe fazer melhor, a produzir, exportar e consumir mais. É fácil de dizer. Mas há quem pense que é pecado.

P.S.1

A Procuradoria-Geral da República é, por natureza, uma referência do estado de Direito. Por isso mesmo, devemos ser exigentes com aqueles cuja existência se justifica, pressupostamente, pela defesa dos direitos dos cidadãos. O pior que o Ministério Público pode revelar é impotência ou complacência. A leveza com que a procuradora-geral da República confessa à Renascença e ao Público o descalabro da investigação ao caso dos submarinos é preocupante. Mais do que um case study deveria servir para apurar responsabilidades. Os deslizes de magistrados e polícia criminal deveriam ter tolerância zero. E não têm. A justiça precisa de se dar ao respeito.

P.S.2

Há um mistério que alguém deve esclarecer: porque é que a decadência do edifício do Conservatório Nacional de Música é imparável, inexorável, uma fatalidade? À primeira vista, será uma consequência da crise, que cortou verbas a eito, sem sensibilidade, muito menos musical. Mas não será decerto culpa (apenas) da crise. Há décadas, há muitas décadas, que a situação se arrasta. Não é um problema de hoje, ou deste governo apenas. Recuperaram-se, e bem, muitas escolas, mas os poderes públicos teimam em não recuperar o Conservatório Nacional, um edifício e uma escola com um património histórico ímpares em Portugal. Que interesses obscuros impedem a sua recuperação?

Um pensamento sobre “Desculpem voltar à Grécia, talvez seja um desequilíbrio excessivo!

  1. Muitos , e eu também, consideraram a chagada do Syrisa e de Varoufakis como uma esperança e não como uma ameaça… E muitos esperam pelas eleições da Espanha, do Reino Unido e do Portugal com as mesmas expectativas para ver se tentamos todos juntos vergar a todo poderosa Merkel e o seu pais que moralmente deve tanto a Europa toda. Se ainda nos lembrarmos que há 75 anos este país meteu a Europa a ferro e fogo destruindo e matando, fazendo perder bens e vidas em números sem conta , poderíamos pelo menos hoje exigir que se mudasse a orientação das políticas de austeridade. Seria bom que certos políticos viessem por uma vez defender os povos da Europa em vez de defender sempre os accionistas dos bancos e das Empresas… Leiam Thomas Piketty, que achou soluções diversas para o rumo europeu….

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