Portugal 2015

(José Pacheco Pereira, in Revista Sábado, 20/02/2015)

Pacheco Pereira

    Pacheco Pereira

Portugal em 2015 está um país muito esquisito, amorfo e ao mesmo tempo zangado; cansado e ao mesmo tempo agitado, cheio de “criadores culturais” e ao mesmo tempo ignorante como nunca; egoísta, mas incomodado pelo seu egoísmo, com má consciência.
O Portugal urbano, precise-se. O rural move-se por outros mecanismos, mas não tem visibilidade a não ser na televisão aos domingos. O Portugal urbano de Lisboa, e, como o mal é contagioso, o do Porto vai a caminho. Coimbra continua muito solidamente provinciana e tem estudantes a mais. Muitos estudantes significam um deserto cultural extenso. Praxes, copos e Rosinha. A Rosinha ainda é o melhor.

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Olhe-se em volta. Nos cinemas dos centros comerciais (não há outros), a parte da Humanidade que é do sexo feminino faz fila para comprar bilhetes para ver um vago filme erótico, com chicotes e algemas, mas onde tudo é bonito, milionário, com gosto e controlado, asséptico. Parece que o sadomasoquismo chique está na moda entre as mulheres. Na verdade, não é uma grande novidade, mas presumo que os homens se interrogam sobre o que é que não tinham percebido nas suas mulheres, companheiras, namoradas, amantes e seja lá o que for. Vão continuar sem saber nada.

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A crise grega entra nas redes sociais por via da roupa do ministro Varoufakis. Discute-se o blusão de couro, o cachecol, as camisas de fora ou de dentro. Não admira. Muita da nossa inteligência feminina, metrossexual e gay gosta muito de discutir roupas e ocasionalmente gatinhos. Sendo assim, não admira que tenham passado dos sapatos Prada, dos fatos Armani e Boss do nosso ex-primeiro-ministro caído em desgraça, para a discussão contínua das gravatas e terminar na mais imbecil crítica feita alguma vez a Passos Coelho, a dos fatos suburbanos de segunda. Essa gente não se enxerga mesmo. É isto segredo para alguém, indiscrição, boato, ou má língua? Não, não é. É o conteúdo habitual desse ruído moderno do Twitter e do Facebook, feito por gente que diz abominar a Caras e a Lux e faz muito pior.

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O que tem mais graça, aliás o que é mais ridículo, é que esta gente que discute roupas, restaurantes e outros ademanes da cultura urbana, que fazem a Time Out ganhar a sua vida (honestamente), é toda muito de esquerda, muito de causa dos costumes, muito do social, muito modernaça. Seja dito, no entanto, que há também uma fauna de direita, muito “ajustadora”, que é exactamente igual. Aliás dão-se bem e exercem activamente a boa prática do fishing for compliments, ajudando-se uns aos outros na luta pela vida.

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A comunicação social continua a enganar-se no remédio para a sua crise, com excepção do Correio da Manhã. O nosso velho semanário de referência é cada vez mais escrito por quarentões (e acima) que pensam que fazem um jornal para os jovens de 18 anos. Valia a pena, passados um ou dois anos, fazer uma lista dos jovens prometedores que todas as semanas promovem e saber o que é que lhes aconteceu. Para onde foram todos esses talentos que “descobriram” no seu culto da novidade e da juventude perdida? Valia a pena acrescentar também o que é que aconteceu às prometedoras start-ups nos “ninhos de empresa”, que têm sido neste últimos anos o “Portugal positivo”, para dar corpo às teses governamentais sobre o “empreendedorismo”.

O Correio da Manhã não quer saber destas coisas, nem de modas urbanas dos glitterati. O seu negócio é outro. Fornece todos os dias umas postas de carne crua aos leões de café, que precisam de muitas proteínas para rugir alto e bom som. E prospera.

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Em política, Pavlov reina como mestre de cãezinhos. É tudo tão previsível, tão fácil de identificar, tão rudimentar, tão… pavloviano. Grite-se Sócrates, Costa, Boaventura, Syriza, Bagão, Louçã, Manuela, eu próprio, os gregos, Varoufakis e logo uma pequena multidão começa a salivar nas redes sociais, nos blogues, nos “porta-vozes” oficiais e oficiosos do PSD e do CDS. Muita desta raiva vem do desespero. Os melhores dias já estão no passado e as perspectivas são sombrias. É verdade que muitos aproveitaram estes anos de ouro para se incrustar em lugares de nomeação ou influência governamental. E vão continuar lá.
Claro que há de vez em quando uns pequenos grãos na engrenagem. Jardim, por exemplo, do “je suis Syriza”, ou Marcelo que dá uma no cravo e outra na ferradura. Mas para estes pequenos propagandistas não pode haver hesitações. É o combate final e não há “mas”, nem meio “mas”, é tudo a preto e branco. Ou se é grego ou alemão.

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Animam-se com o facto de as manifestações pró-gregas terem pouca gente, mas ignoram as sondagens que mostram que muita gente ultrapassou os argumentos mesquinhos de Cavaco e Passos e tem simpatia pelos gregos. À direita e à esquerda, porque toda a gente precisava de um assomo qualquer de dignidade nacional numa União Europeia manietada pela elite política mais autoritária e escassamente democrática que chegou ao poder nestes últimos anos.
Enganam-se se pensam que são os esquerdismos do programa do Syriza que mobilizam as simpatias. É por isso que há pouca gente nas manifestações, porque elas são miméticas desse esquerdismo. Mas o que faz as sondagens maioritárias pró-gregos, a “maioria silenciosa”, é a afirmação nacional, a independência, a soberania, a honra perdida das nações resgatada por um povo. É uma gigantesca bofetada nos patriotas de boca e empáfia que aceitaram tudo, assinaram tudo, geriram o “protectorado” com zelo e colaboração, e terminam o seu tempo útil servindo para fazer o sale boulot alemão.

Um pensamento sobre “Portugal 2015

  1. “Em política, Pavlov reina como mestre de cãezinhos. É tudo tão previsível, tão fácil de identificar, tão rudimentar, tão… pavloviano. Grite-se Sócrates, Costa, Boaventura, Syriza, Bagão, Louçã, Manuela, eu próprio, os gregos, Varoufakis e logo uma pequena multidão começa a salivar nas redes sociais…”

    Não é uma questão pvloviana pacheco é sim uma questão de pensamento lógico tirado da memória; não nos esquecemos que pacheco foi sempre um bom ajuntador de palavras para formar frases cheias de nuances retóricas e sofísticas mas que foi e é, sobretudo, um medíocre actor político sempre a lamber o cu de idiotas como cavaco, durão, manuela e ultimamente anda atrás de rio, outro grande sábio pensador intelectual.
    Que pacheco ajudou a esquecer o problema das vacas loucas no parlamento quando já era um caso de saúde pública; que viu, com durão, o Iraque coberto de armas de destruição maciça a troco de um lugar prometido de embaixador na OCDE que depois não aceitou com santana; que alinhou nos bombardeamentos à Servia e desmantelamento nos bálticos e isto só para referir os casos maiores de flagrantes erros políticos gigantescos.
    Como agora, hipocritamente dizer, referindo-se a Sócrates, que não bate em gente caída depois de protagonizar a campanha política mais suja para o fazer cair.
    Não, pacheco, não é Pavlov, és tu.

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