Desta triste união

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 18/02/2015)

         Daniel Oliveira

    Daniel Oliveira

O Eurogrupo sabia que o governo grego nunca poderia aceitar a proposta de extensão do plano de resgate. Se o aceitasse teria de se demitir no dia seguinte, por descarada traição aos seus eleitores. Os gregos nunca aceitariam a extensão de um programa que só lhes tem trazido desgraças sem lhes resolver um único problema.

Um programa em que já nem os que o propõe acreditam. Assim, a proposta que foi feita aos gregos não foi realmente uma proposta. Foi uma provocação. Acompanhada, ainda por cima, por um ultimato: a resposta tem de vir numa semana.

Hoje já se sabe que a proposta feita era mesmo para não ser assinada. Havia outra anterior, apresentada de manhã pelo comissário europeu Pierre Moscovici, que poderia ser negociada com a Grécia e chegar-se a um acordo. Mas o burocrata que depois de nacionalizar um banco falido na Holanda ficou presidente do Eurogrupo mudou a proposta.

No primeiro falava-se em “conter a crise humanitária” e promover a “justiça social”. No segundo isso desaparece e surgem, do nada, referências à reforma laboral. No primeiro falava-se de uma “extensão do atual acordo que pode tomar a forma [por quatro meses] de um programa intermédio”. Serviria apenas de “estádio intermédio para um novo contrato de crescimento para a Grécia que seria “deliberado e concluído nesse período”. Era o tal programa-ponte que a Grécia queria. No segundo passa ser apenas uma “extensão técnica do atual programa”, por seis meses, pedida pela Grécia e apenas com uma referência a uma vaga “flexibilidade que nos for possível”. Flexibilidade que, segundo se esclareceu, é a mesma de sempre: substituir umas medidas por outras que produzam exatamente o mesmo efeito. Tudo o que se sabia que a Grécia recusaria. Até o FMI, cujo o fim da participação nesta triste aventura europeia era já dado como certo, reaparece no segundo documento. Tudo isto apresentado como um mero “follow-up” do plano inicial. De um acordo possível passou-se para um ultimato.

A Grécia precisa rapidamente de aliados ou será toda a Europa que se perderá nesta irresponsabilidade que adia a recuperação europeia

A Alemanha deixou claro, logo à partida, que tencionava boicotar qualquer tipo de negociação, com o ministro das Finanças, num ato de descarada provocação, a classificar o governo grego de “irresponsável” e a criticar os gregos por o terem eleito. A proposta de extensão do plano de resgate, quando a Grécia já tinha aceite um programa-ponte e uma negociação caso-a-caso das medidas do memorando.

A União Europeia não se comporta como uma união de Estados aliados mas como uma potência hostil que exige uma rendição incondicional a um inimigo vencido. O objetivo é humilhar o novo governo eleito pelos gregos, deixando claro, para todos os povos, que se mudarem o seu voto não mudarão o rumo da Europa e o destino dos seus Estados. E garantindo que o governo grego entra neste processo negocial politicamente fragilizado.

Os governos socialistas não só acompanham este comportamento indigno como até se oferecem para ser seu porta-voz. O ministro das finanças francês teve mesmo a distinta lata de dizer que não havia outra alternativa que não fosse a continuação do programa de austeridade. O governo que foi eleito prometendo exatamente o oposto. Se há coisa que todo este processo prova é que não chega garantir a alternância. É necessário, por toda a Europa, alterar o quadro politico-partidário e assim mudar radicalmente o clima de cobardia que domina os governos europeus, sem distinção ideológica. A Grécia precisa rapidamente de aliados ou será toda a Europa que se perderá nesta irresponsabilidade que, enquanto os EUA já saíram a crise, adia a recuperação europeia e transforma a União Europeia numa instituição cada vez mais antipática aos olhos dos europeus.

Entretanto, Portugal trocou divida por divida e a Europa ajudou a uma farsa, fingindo que o País estava realmente a pagar uma dívida e não a reestrutura-la, aproveitando juros mais baixos no mercado internacional. O papel a que Portugal se presta, servindo com gosto para campanhas de branqueamento, só me pode, como português, envergonhar.

2 pensamentos sobre “Desta triste união

  1. Todos sabemos qual é a linguagem que a Alemanha entende. Demora a percebê-la,debate-se até ao fim,mas a História diz-nos que,no último século,nunca se afastou da tradição. Houve sempre uma parcela europeia que esteve com ela. Mas a Europa vai do Atlântico aos Urais e do Mediterrâneo ao Círculo Polar Ártico.

  2. O Governo sempre recusou a renegociar a dívida. E o que é isto que eles estão a fazer, embora correto! N´~ao é renegociar, pedir emprestado a uma instituição(ões) para pagar a outra, mesmo que sendo ganhando ono valor dos juros? Sejam ao menos honestos e aceitem que é uma renegociação com menos custos.

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