A política portuguesa na encruzilhada grega

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 16/02/2015)

         Daniel Oliveira

     Daniel Oliveira

Vê-se nas ruas de Atenas e de Salónica uma coisa impensável, pelo menos nestes tempos de decadência europeia das democracias: o povo a manifestar-se em defesa do seu governo. E, no entanto, tendo em conta que foi o povo que o elegeu, isso é que deveria ser natural. É claro que quem se manifesta é quem votou no Syriza, um partido com uma base de apoio que tem uma forte tradição de manifestação pública. Mas, ainda assim, não deixa de ser um dado relevante que, pela primeira vez desde que esta crise começou, haja manifestações de apoio a eleitos.

Se há coisa que a Grécia demonstra é que um governo que queira correr o risco de enfrentar forças tão poderosas como as que têm lucrado com esta crise tem de estar respaldado por enorme apoio popular e por um programa político claro. Estas manifestações não são um mero reflexo da natureza dos apoiantes de Tsipras. Segundo as sondagens, o Syriza teria, se as eleições fossem agora, 45% dos votos. Esse apoio resulta apenas de terem devolvido às pessoas a esperança, esse motor essencial da ação política transformadora. Falta a parte mais difícil e que não depende apenas dos gregos: cumprir essa esperança.

A esperança não é, no entanto, exclusivamente grega. O que acontecer com eles vai ser determinante para toda a Europa e, em especial, para os restantes países periféricos. Também a esperança destes povos, e especialmente a do português, à falta de protagonistas com peso político para os representarem neste combate, estará necessariamente dependente do que acontecer na Grécia. Segundo uma sondagem do Expresso, 60% dos portugueses pensam que o discurso de Passos Coelho está demasiado colado ao da Alemanha e que o governo devia tirar partido das reivindicações do Syriza. Apenas 30% discordam das duas afirmações. São esses que hoje Passos Coelho representa.

Só que o processo negocial entre a União Europeia e a Grécia ainda vai no princípio. E ele tem demasiados finais possíveis para se conseguirem fazer grandes previsões. Tentando simplificar, há, na minha perspetiva política, a vitória, o empate e a derrota.

Dentro da vitória há imensas possibilidades. Todas próximas do quadro político daquilo que a eficaz dupla Tsipras/Varoufakis tem apresentado. O essencial, agora, é a Grécia ganhar tempo. Depois disso, ganhar espaço para inverter a política de austeridade. Para respirar, atender a emergência humanitária que se vive no País e relançar a economia. Isso passa, de uma forma ou de outra, por uma reestruturação direta ou indireta de uma dívida que corresponde a 170% do PIB grego. Mesmo que a Grécia consiga esta vitória as vozes do “status quo” tentarão passar a ideia de que o governo grego se vergou. Será esse o próximo grande objectivo político dos defensores da via austeritária para destruir os adquiridos do modelo social europeu. Porque uma vitória grega abre uma caixa de Pandora e serve de perigoso exemplo para os que ainda acreditam que a democracia pode vencer os poderes que a estão a esmagar na Europa.

A derrota será a Grécia acabar por aceitar o essencial do que hoje existe. Na pratica, qualquer solução que não lhe permita pôr fim ao processo de destruição económica e social do Pais. Se a Grécia se vergar não se limita a perder sozinha. Fecha a porta a todos lhe quisessem seguir o exemplo. É demasiada responsabilidade para um povo. E é por isso que todos os gestos de solidariedade são tão necessários.


Se há coisa que a Grécia demonstra é que um governo que queira correr o risco de enfrentar forças tão poderosas como as que têm lucrado com esta crise tem de estar respaldado por enorme apoio popular.


Aquilo que muitos julgam ser uma vitória para os defensores da posição alemã seria, na realidade, um empate. Um empate que resulta de uma derrota para todos: uma rutura que atirasse a Grécia, sozinha, para fora da zona euro e da União. Sim, seria um brutal derrota para os que querem mudar os destinos da União. Ficaria provado que nada se pode realmente fazer no atual quadro europeu. Mas também seria uma derrota para a Alemanha, que seria confrontada com a insustentabilidade do modelo que defende e com os efeitos, seguramente poderosos, do começo de uma derrocada institucional da UE. Os defensores da ideia da vacina, que faria da Grécia exemplo para os outros, são apenas irresponsáveis. Como já aqui escrevi, as consequências de uma saída grega desordenada do euro são imprevisíveis e só um louco as quer experimentar.

Seja qual for o final de tudo isto, ele terá, politicamente, consequências em Portugal.

O sucesso de uma solução negociada que permitisse aos gregos alivio e esperança, teria de ser, mesmo que parcialmente, transposta para Portugal. Mesmo que o governo português o reivindicasse, dificilmente alguma vez nos esqueceríamos que ele foi, na Europa, um dos mais ferozes opositores às exigências gregas. Passos Coelho ficaria sem discurso. E é por isso que, contra os interesses nacionais, ele se empenha tanto na campanha contra a Grécia. Mas seria também obriga a mudanças de retórica nos que apostam na rutura para crescer eleitoralmente sem nunca se comprometerem com qualquer resposta de governo. Qualquer compromisso que se conquiste os obrigaria a um recuo programático, aceitando que se fazem cedências para conquistar vitórias. A alternativa seria uma desvinculação em relação ao Syriza. Para os que, posicionando-se muito claramente contra a austeridade, têm defendido posições pragmáticas para sair deste impasse e alianças europeias para soluções multilaterais, este é o único final que pode ser visto como positivo.

Se o governo grego fosse obrigado a vergar-se à Europa, tudo ficava na mesma para quem nos governa. Mas baixaria de tal forma as expectativas que o discurso mole, indeciso e nada claro de Costa deixaria de incomodar. Voltaríamos a ter como uma única ambição gerir a austeridade com um bocadinho mais de decência. O ideal para soluções de bloco central.

Se se desse uma rutura, as franjas mais irredutíveis ganhariam espaço de manobra. Os que, defendendo o mesmo que eu em relação à impossibilidade de crescer com austeridade e à insustentabilidade da divida, consideram não haver nada a fazer até que se rompa com a união monetária ganhariam novos argumentos. Não estou a falar quem reconhece e denuncia os malefícios do euro. Só não os vê quem não olha para os números das economias periféricas desde final dos anos 90. Sempre disse e mantenho que o euro, como existe (poderá ainda vir a existir de outra forma?), ou está condenado ou condena a Europa. Estou a falar sobre a impossibilidade de corrigir esta trajetória de austeridade no atual quadro. E isso parece-me, apesar do corredor ser estreito, ainda possível. Uma rutura da Grécia daria razão a quem tem hoje o discurso do tudo ou nada ou até a quem vê, na atual situação, como viu em tantas outras, oportunidades revolucionárias.

O outro extremo é Passos Coelho e os seus apoiantes, que, através da estratégia da vacina, explicariam aos portugueses que estava ali a razão pela qual defenderam o que defenderam. Se pudesse, Passos Coelho faria tudo para que fosse este o destino da Grécia. Felizmente não pode coisa alguma. Provando que não há alternativas à austeridade no quadro europeu, ficariam reforçados os argumentos dos que, de um lado, pensam que nada se pode fazer na União e os que, do outro, que a austeridade é o único caminho.

O futuro da Grécia vai determinar, em muito mais do que se pensa, o futuro de Portugal. O que quer dizer que vai moldar os discursos dos vários atores políticos nacionais. Não é porque os portugueses estejam todos agarrados à televisão a ver o que sai da negociação entre Bruxelas-Berlim e Atenas. Mas porque há discursos que deixarão de ter credibilidade e outros que a ganharão. E por isso que é tão difícil, nesta altura, fazer grandes previsões políticas. Mesmo que, no provincianismo habitual, muitos façam os cálculos políticos que sempre fizeram, como se Portugal não estivesse mesmo amarrado ao futuro da Europa. Costa é um deles: parece achar que, como no passado, basta esperar que o governo acabe o seu mandato para chegar a sua vez.

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