SOMOS GREGOS

(Daniel Oliveira, Expresso, 07/07/2015)

         Daniel Oliveira

                    Daniel Oliveira

Para mostrar ao que vinha, a Grécia entrou a matar: reposição do salário mínimo, eletricidade gratuita para mais de cem mil famílias que não a conseguem pagar, reposição do 13º mês para reformas inferiores a 700 euros, suspensão das privatizações. No prolongamento das sanções à Ucrânia e nas relações com a Rússia, deixou um primeiro aviso: a Europa tem muito a perder se encurralar os gregos. Depois dos sinais de força, Tsipras e Varoufakis começaram o périplo europeu para procurar aliados e falar diretamente com os responsáveis políticos. Ganhou espaço político. Mas do inamovível senhor Schäuble veio a resposta que se esperava: é tudo para ficar como estava. A Grécia que fale com os burocratas da troika.

Ao longo da semana, a Grécia foi dando sinais de abertura para um processo negocial construtivo: Uma restruturação sem haircut, com a indexação do pagamento da dívida ao crescimento. Uma conversão dos títulos detidos pelo BCE em obrigações perpétuas, empurrando as amortizações até 2022. E uma mudança das metas orçamentais, com um alívio de 3% do PIB na austeridade.

O primeiro objetivo do Syriza é vencer as resistências políticas e ganhar aliados na Europa. Só com eles é possível encontrar uma solução conjunta. A reação mais violenta ao risco de interferência da democracia no regular funcionamento da burocracia europeia veio do BCE, que apertou o cerco à Grécia. Antecipou uma decisão e restringiu o acesso às linhas diretas de crédito da autoridade monetária europeia, dificultando o trabalho ao Governo e lançando o caos na banca. Mesmo perante este ato de sabotagem, o Governo grego reagiu com calma. Varoufakis disse que não queria entrar em incumprimento e tentou ganhar tempo. Tsipras explicou que a Grécia não tencionava desistir de ter voz própria sem entrar em confronto.

Por cá, anda muita gente nervosa. Umas vezes explicam que o Syriza está a ceder em toda a linha. Outras que é irresponsável e está a atirar a Grécia para o buraco. Ninguém se dá ao trabalho de contestar a validade técnica e a justiça política das propostas dos gregos. Interessa é que a Grécia falhe. Um desejo estranho, sabendo-se que o que a Grécia conquistar terá um efeito positivo para países devedores, como Portugal. Mas se isso acontecesse nascia um novo problema: descobríamos que afinal havia alternativa. Passos Coelho veio a terreiro explicar que Portugal não quer negociar nada. Não quer melhores condições de pagamento da sua dívida. Não quer, enfim, descobrir que se poderia ter feito tudo de forma diferente. Porque essa descoberta seria má para o país? Não. Porque seria má para quem passou três anos a vender inevitabilidades. E para Passos não perder a face o país deve sacrificar-se um pouco mais. A Grécia tem de falhar. Pela cedência absoluta ou pelo colapso. Se tal não acontecer, haverá alternativas. E isso implica o regresso da escolha e da democracia. Do BCE a Schäuble, passando pela máquina de propaganda que começou a funcionar um dia depois da vitória do Syriza, muitos se mobilizam para impedir tal heresia. Para que os povos percebam que nem a democracia lhes pode devolver o poder sobre as suas vidas. Cabe aos cidadãos europeus provar que estão errados. É agora que somos mesmo gregos.

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